quarta-feira, dezembro 28, 2005

UM ANO DE VIDA

Hoje o Oceanos e Desertos completa um ano.
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Um ano de minha vida em mais de noventa textos, alguns ensaios fotográficos e um número incalculável de comentários, devidamente salvos e guardados. Nem sei o que me deu mais contentamento. Escrever e postar ou receber comentários sempre tão afetuosos. Experiência incrível a de interagir com pessoas das quais não conheço o rosto, mas que aqui mostram a face de suas almas. E posso afirmar: todas belas.
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Agradeço a todos pela acolhida, pela presença constante principalmente nestes últimos tempos em que me encontro, por problemas pessoais, afastada da net.
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Hoje, relembrando o final de 2004, quero fazer um agradecimento especial à menina poesia que inventou o nome, escolheu o lay out e colocou no ar este blog, incentivada pela Loba. Dei continuidade, timidamente, mas sempre apoiada pelas duas e também pelo Linaldo. Vocês três são responsáveis por tantas alegrias aqui vividas e compartilhadas. Sabem que moram no meu coração. Então se preparem... porque é para sempre... vão ter que me aguentar... rs.
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Aos antigos ou novos... aos amigos poetas, seresteiros, sonhadores, companheiros na construção de um mundo novo... parceiros que conhecendo o poder da palavra, usam-na para a celebração do Amor,
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Beijos, carinho.
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segunda-feira, dezembro 26, 2005

ELE CHEGOU!

Tóc-tóc e um... ó de casa!
Correu para abrir a porta.
Um menino envolvido em faixas olhou-a como se pedisse pousada.
Trouxe-o para perto do coração e foi invadida por um sentimento inesperado.
Percebeu-se aceita até mesmo nas imperfeições.
Experimentou um grande amparo no sofrimento.
As faixas da alegria a envolveram.
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A solidão deixava de ser só.
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Finalmente... era amada!
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* * *
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Agradeço o carinho dos amigos
que aqui deixaram votos de
Feliz Natal
e desejo
que todos
sejam inundados
pela presença de Jesus Menino
e experimentem o amor de Deus Pai por nós.
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sábado, dezembro 17, 2005

minha menina,

se é para soprar sonhos,
quero ser palavra.
se é para me enlevar em nuvem,
quero ser palavra.
se é para me desgovernar,
quero ser palavra.
se é para vagar varais,
quero ser palavra.
mas se é para ser menina,
quero de verdade ser poesia.
assim, do jeitinho que tu és.
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(feliz aniversário e que Deus te abençoe... sempre)
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segunda-feira, dezembro 12, 2005

PRESTIDIGITAÇÃO

Sou despertada por um alarido festivo. Ainda tonta, esfrego os olhos e chacoalho as sandálias. É embaçado o contorno do ambiente. Mesmo assim o reconheço. Estou num oásis. Sinto a sede. Aproximando-me da fonte, vejo-me refletida em suas águas. Vejo também tudo o que me cerca e um certo desconforto me atinge. Parece que mundo está ao inverso. Ali, o reverso é o real; o ilusório, palpável. O verso é o idioma corrente e o avesso ganha expressão. O tempo, que é sempre implacável, pára. Estanca a razão. Em seu lugar, sentimento. Mesmo ofuscada pude ver solidão apontando aconchego. Da dor vi nascer alegria. Vi o fogo que aquece e não queima. Vi o coxo brincando de roda. Ninguém morrendo de fome. No foco um leve pulsar, uma cadência de vida. Ao abandonar-me no ritmo, vi o que até então julgava impossível. A morte sendo abolida, o pretérito no papel de presente e, você nem vai acreditar, algo ainda mais emblemático: uma filha menina parindo a própria mãe. Espantado? Pois, espere, ainda não lhe falei da emoção. Este é só o começo da minha incrível história de amor. ..
....
(republico por ainda acreditar na existência deste oásis... )
...

terça-feira, dezembro 06, 2005

PACTO

sei que aí estás
sinto em mim o teu perfume
se és tu a me emprestar as asas
sou eu a te fazer volátil.
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somos vadias miragens
em vôos de figura e fundo
apenas suave aroma
incenso do que resta em nós
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contínuo mote de agonia e gozo.
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(republicação)

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terça-feira, novembro 29, 2005

redundante

hoje quero falar do jogo
não de palavras ou intentos
falo de luzes
em festa
do arrebentar de rojões
.
nada deixado ao acaso
em nosso contentamento
pressentimento tornado foco
cálice iluminado
pelo brilho da aventura
.
alma opaca não resiste
à caminhada feita em fogo
a corações juntos no abraço
ao ardor tornado canto
.
se é persistente a paixão
renova-se certeiro o verbo
em júbilo mantém-se aceso
o entusiasmo
redundante
lume
.
(dedicado a db, o melhor abraço daquela noite)

domingo, novembro 20, 2005

RESTOS













.
.
.
o sol...
ele se vai
ou chega
pouco importa
se permanecem
escuro o norte
o horizonte em chamas
o vácuo...
lacunas dos sombrios
restos
.
(menina, mais uma vez dedico a você, agradecendo pela foto-inspiração)

sexta-feira, novembro 18, 2005

A CAVERNA

Às escuras, acorrentados, avançar através do covil.
Decifrar o que dizem as sombras em movimento.
Na névoa, tocá-las.
Na mudez, perscrutá-las.
Na cegueira, descobrir seus anseios.
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Longe na memória ainda há lembranças
Do que nos levou tão longe, mas
Não sabemos mais o porquê da cadência repetida,
Das infinitas voltas em círculos.
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Ouvimos rumores de que poderia ser diferente.
Rumores prontamente desmentidos!
Nem do assassinato daquele pobre lunático se fala mais.
Lembra-se dele?
Aquele que jurava ter visto algo semelhante à luz?
Estivemos por enxergar.
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Quase chegamos a ver o sol brilhando lá fora.
E quando estávamos prestes a aprender a ter esperança,
Já não havia mais o que esperar.
O assombro nos abocanhara.
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(um texto saído do baú - agosto de 2004)

terça-feira, novembro 15, 2005

CENA RÁPIDA - O MONÓLOGO

- um dia...
estaremos já mudos no assombro
e seremos por ele engolidos
.
enquanto espero ser digerida
tranqüilamente
consumo a revista semanal
bebo toda a caixa de uísque
e fumo um charuto...
.
- corta!
.
(em exibição no cine-teatro república)

sábado, novembro 12, 2005

FESTA PARA DOIS AMORES

minha filha,
teu olhar verde-azulado
leva-me a horizontes tantos
nem consigo definir
é carinho, é alegria
às vezes pergunta e até zanga
mas sempre luz para vida
matizando o futuro
nesse leve tom
azul-esperançado.
conserva-o...

é de Deus um dom.
é o que nos sustenta.

.
..//..
.
meu veinho,
sempre ocupado
em mil trabalhos
traquinagens de menino grande
da teoria à imagem à poesia
e eu no olhar

me inspiro
acompanho
a loucura da razão
lucidez refletida
nos sonhos produzidos:

vida
.
..//..
.
Dois aniversários e quem ganha sou eu...
meus dois presentes, meus dois amores...
agradeço a Deus pelo dom da vida com vocês.

____________________________

Novo blog no ar: http://maresrevoltos.zip.net/
À minha amiga Ádina desejo sucesso.

terça-feira, novembro 08, 2005

lágrima

teus
olhos
vermelhos
falavam: eu morro
nesta solidão tormenta
e tanta gente à nossa volta
que eu em solidão calada
nem pude ao menos
dizer-te: por uma vez tenta
pedir. sairei de mim
prometo
serei o teu
socorro
!

sexta-feira, novembro 04, 2005

DOIS PERDIDOS - O DESFECHO

Continuação do post anterior

Ele contando:
Poderia ter inventado uma desculpa, mas não, caí de novo. Nem consegui descobrir o que ela quer comigo. Mulher maluca, desorientada. Canta, dança, dirige, tudo ao mesmo tempo. Tão destrambelhada que nem percebeu a minha investida. Mulher doida, ainda se perdeu várias vezes fazendo com que eu me perdesse também. A reunião começando e eu ainda à espera do elevador. Quando a porta se abriu me vi lá no fundo. O espelho mostrava meu desalinho, imperdoável para um executivo. Passei a mão pelos cabelos desgrenhados, sem sucesso. Em São Paulo, ninguém mais anda com os vidros abertos. Só ela. Aquela avoada.
Ao entrar na sala fui fuzilado pelo presidente do conselho.
Não era a primeira vez. E sempre por causa da oferta irresistível. Resolvi naquele instante. Carona com ela, nunca mais.
Sentei-me, abri meu laptop e dirigi a atenção para o relatório que estava sendo apresentado. Aos poucos aquela lengalenga foi me entorpecendo. Parecendo estar em transe, digitei o nome dela. Que susto! DOIS PERDIDOS! Um relato do que acabáramos de viver. Como ela consegue ser tão rápida? Ao meu riso alto, um psiu generalizado na sala. Ela falando de ternura e aquele “Você é meu GPS” piscando frente aos meus olhos...
- Você está na contra-mão de nossos trabalhos, disse o presidente.
Só então me dei conta. Voltei a ler o texto atentamente. Fechei o laptop com um golpe rápido. Levantei-me e saí quase correndo sem olhar para trás. Enquanto descia já fui arrancando a gravata ao mesmo tempo em que pegava o celular.
Digitei o número.
- Atende!
Caixa postal. Tentei de novo.
- Oi, fala!
- Acabei de ler o seu blog. Volta aqui para me pegar.
- O quê?
- Abaixa o volume do rádio, disse, ou melhor, gritei.
- Pronto. Estou ouvindo. Pode falar.
- Volta para me pegar.
- Agora? Estou enroscada numa rua chamada Tito... onde é isso? Para que lado...
- Mas o que você está fazendo na Lapa? Não deveria ir para a zona leste? Essa sua mania de só pensar em escrever!
- Me ajuda... como saio dessa?
E ela ainda ri.
- Fácil, é só você... deixa pra lá... vai começar tudo de novo... não saia daí, estou pegando um... Táxi!
Assim que embarquei... começaria tudo outra vez...
Só tive o trabalho de mudar o tempo do verbo.
A gravata? Joguei-a pela janela.

Eu assistindo:
Nunca mais cruzei com eles até que segunda-feira, passando pela Vila Madalena, encontrei-os. Estão casados, têm dois filhos - Eduardo & Mônica.
Abriram juntos uma editora especializada em poesia. Ele, com toda experiência em finanças, administração, marketing e ela, com a sensibilidade para revelar poetas, fizeram da empresa um sucesso. Todos os dias enchem a mala do carro com livros e saem vendendo de porta em porta.
Ela instalou um GPS no carro. E ele, sempre que se senta no banco do carona, apressa-se em desligar o aparelho e, claro, em sintonizar o rádio. Nesse dia não foi diferente. Logo que nos despedimos... amor meu grande amor, não chegue na hora marcada...
E lá se foram cantando... os pneus.
De longe ainda pude vê-lo gesticulando, braço para fora da janela, apontando para a direita, enquanto o carro virava à esquerda.
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(Dedicado a Gonzaguinha, Legião Urbana e Ângela Ro Ro, a quem agradeço pela cessão da trilha sonora)

_._._._
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Estou só contentamento.
Mais uma vez fui telescopiada por Nel Meirelles.
Nel, agradeço muito.
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terça-feira, novembro 01, 2005

DOIS PERDIDOS

Nem sei se ele se lembra. Estávamos os dois a rodar pela cidade quando me perguntou:
- Para você o que sou?
Sem saber qual caminho tomar parei e o olhei de forma interrogativa.
- Para a esquerda ou direita?
- Por ali, não vê que estamos na contra-mão?
De repente um enorme caminhão... e eu... sanduíche de gente... apertei-me contra a guia enquanto ele me lançava um olhar divertido. Rezava para que não aparecesse um guarda. Seria obrigada a confessar que minha habilitação vencera há tempos. O celular disparado e eu enganchada entre uma moto e latas de lixo, sem poder atender.
Engatei a primeira e ele a me alertar:
- Está vermelho!
O celular parou. Aproveitei para acender um cigarro e esperei... ai que coisa boa, à meia luz, a sós, à toa...
No verde, segui.
- O que foi que você perguntou mesmo?
- Preste atenção. Deve entrar à direita na próxima esquina. Logo depois da curva, fique à esquerda.
No rádio, Rita Lee ainda fazia o fundo e eu cantarolando junto... você e eu somos um caso sério... antes de retomar a conversa.
- Fala, o que foi...
- Cuidado, está na faixa do ônibus... cada um na sua... uma quadra e... perdidos na cidade nua... passou, você passou!
Mais outra volta no quarteirão, naquele trânsito...
- Pode parar ali, perto da árvore. Chegamos.
Destravou o cinto de segurança e antes que eu puxasse o freio de mão já abria a porta
- Espera. O que me perguntou quando ainda estávamos na São João?
- Para você o que sou?
Tinha tanta ternura nos olhos que me perdi neles, não sabendo o que responder. Fechou a porta sem deixar de me olhar pela janela... empapuçados de amor... lançando um sorriso, endireitou o corpo e se apressou... ao som de um bolero... estava atrasado, claro.
Recuperando o fôlego gritei.
- Você é meu GPS!
Tarde demais. Buzinas encobriram a resposta. Estava parada na entrada de um prédio interrompendo a passagem. Ele, depois de contornar um buraco da calçada, olhou para trás, ainda sorrindo e acenou. Estava longe do alcance de minha voz. Não mais escutaria. Repeti, agora apenas sussurrando:
- Você é meu GPS, minha bússola.
Engatei a primeira. O pé escapou fazendo o motor engasgar. Na segunda tentativa consegui. Fui... mesmo não sabendo muito bem para que lado... você e eu somos uuuum caso sério... dose dupla...
_._._._

Inspirado em uma conversa com minha amiga Ádina, a quem dedico o post.
Os itálicos foram emprestados por Rita Lee e Roberto de Carvalho em Caso Sério.
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domingo, outubro 23, 2005

REVOLTA

Só um santo dia
para a ablução
da dor em mente,
mas mentes
em mantras
intermináveis.
Seduzida por teu canto
eis-me aresta
a espera em rastro
arrasto.
Só um santo dia,
limpas do adultério,
as mãos...
.
mas não,
mentes!
.

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(Inspirado em Jeremias e dedicado ao Chico de quem roubei só um santo dia)
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Escrevi este texto em resposta a um desafio do blog Loba, corpus et anima.
Lá foi publicado, tendo como título Yirmeyâhû, no dia 06/10/05.
Aqui rebatizado e levemente reformado...
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sexta-feira, outubro 21, 2005

m a n t r a

v.e.n.t.a..l.e.v.e
l.e.v.a..a.l.e.n.t.o
l.e.v.a..l.e.v.e
v.e.n.t.a..l.e.v.a
l.e.v.e..a.l.e.n.t.o
.
v.e.n.t.a.l.e.n.t.o
v.e.m
!
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(Dedicado à Dione, sábia amiga, a quem pergunto: a récita deste mantra me levará aos campos da poesia?)
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sexta-feira, outubro 14, 2005

CORRESPONDÊNCIA DE AFETO

Querida,
.
Há quanto tempo não vens
minha amiga e conselheira
Sem teus ventos e sopros
sinto a alma migrar
para longe d’Ele e de mim
Me abandonas assim
Só
Permites que eu solte
o espírito desbaratado
corisque de um mote a outro
como cavalo desenfreado
Às apalpadelas
vivo o desatino
destino do desamparo
ou porões, minha morada
Peço que novamente me indiques
-há tempos dela me perdi-
os caminhos da paciência
Vem, sinto tua falta
traze teus sugestivos versos
tuas dores e contentamentos
tuas agonias e o enlevo
tua elegância
És sempre bem-vinda
mesmo quando tumultuas
-e quantas vezes o fizeste-
minha já tumultuada mente,
meu desgovernado coração
Vem e o segredo virá
-pois bem sinto mora em ti–
fazendo-se inspiração revelada
E, se não for muito o pedir,
ao vires traze
os ares e o canto das aves de Ávila
para que eu pressinta
–e apenas pressentir já é alívio–
o despertar da beleza
Sabendo que és puro desvelo
eu atenta discípula me quedo
com carinho espero
por teus sinais, até mais...
.
...//...

.
Teus ais pude daqui ouvir,
sobrinha querida,
e preciso dizer-te
que Ele de ti não se descuida.
E lembra-te...
.
O amor, quando já crescido,
Não pode ocioso ficar,
Nem o forte sem lutar,
Por amor de seu Querido.
Deus, de seu amor vencido,
Sempre o fará vencedor.
Que será ver-te, Senhor?
.
...//...

.
Quinze de outubro é o dia dedicado a Santa Teresa de Ávila
de quem tomei uma estrofe do poema “A Santo André”
para compor esta troca de cartas.
Os trechos em itálico são de Santa Teresa.
_________________
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É TAMBÉM NOSSO DIA
ABRAÇOS A TODOS OS PROFESSORES
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quarta-feira, outubro 12, 2005

NO DIA DAS CRIANÇAS

HISTÓRIAS DO VELHO LENHADOR.-- Está na hora. Preciso dormir. É seu turno.
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Desde há muito era acordado pela voz estridente da Coruja. Antes que o dia clareasse ela já estava batendo à janela.
Levantava-se, preparava o café, enquanto seu fiel escudeiro ia ver como estava o tempo lá fora.
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-- Hoje chove ou hoje faz sol... sempre acertava. Êta Cãozinho sensível! Perdigueiro dos bons.
. .
No embornal, apenas uma côdea de pão e a garrafa térmica. Não levava machado nem serra, pois era um lenhador diferente da maioria. Apenas recolhia os galhos que as árvores deixavam pelo chão.
À porta, os pássaros já o esperavam e lá ia o grupo proseando alegremente em direção à floresta enquanto o sol nascia.
Sempre o primeiro a falar, lá vem o novidadeiro do Bem-te-vi.
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-- Sabe que durante a noite nasceu o nenê da Girafa?
-- E foi tudo bem?
-- Sim ele até já está brincando pela clareira.
-- Eu é que não dormi nada, disse o Pica-pau.
Uma gargalhada geral.
-- E por que não dormiu?
-- O Esquilo, aquele que mora no andar de baixo, roncou a noite inteira. Um ronco tão forte que fazia tremer toda a árvore. Até parecia terremoto.
Riram muito, pois diariamente ouviam a mesma reclamação.
.A cabana era a última da aldeia antes da entrada da floresta. Rapidamente lá estavam e o velho lenhador ia dando os bons dias aos amigos que encontrava. Fazia a inspeção costumeira, no que era acompanhado pelo Grupo de Defesa da Floresta. Visitava doentes, resolvia alguns probleminhas. Hoje iria visitar o bebê girafa.
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Sim, havia naquelas bandas uma ONG criada para resolver os problemas internos da comunidade, suprir necessidades, principalmente para impedir a entrada das malditas motos-serra. O Carvalho, morador mais antigo, na verdade criador daquela floresta, era o presidente. Profundo conhecedor das demandas da mata, um sábio, sempre ouvido por todos. O vice era o Leão, encarregado de negociar com os madeireiros que porventura ousassem por ali aparecer. Vinham derrubar árvores para depois vendê-las. Punham em risco a sobrevivência do lugar. Mas quando o Leão aparecia, corriam. E quem gostaria de ficar cara a cara com ele numa negociação? O primeiro secretário era o Elefante que tinha como tarefa principal organizar o transporte da água do rio em caso de incêndio. O fogo, muitas vezes criminoso, apavorava a comunidade. O velho lenhador, além de presidente de honra, era presidente do conselho e intérprete. Era o único humano com quem os animais e as plantas conversavam. Único humano a quem confiaram o segredo de seus idiomas. Tesoureiro não tinha lá. Não havia precisão, uma vez que tudo se resolvia através de trocas. Principalmente trocas de afetos.
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As árvores mais altas, os insetos e os pássaros faziam a vigia. Conseguiam detectar qualquer comboio que se aproximasse ou qualquer início de incêndio. E sempre que o perigo fosse iminente todos eram convocados pelas Maritacas, e passavam a formar um enorme mutirão de salvamento quer apagando o fogo quer impedindo que gente malvada, interessada em destruir a floresta, pudesse ali entrar.
Viviam felizes, em harmonia. Cuidavam-se uns dos outros e do lar que era de todos. E davam exemplo para o mundo.
Tanto que o velho lenhador já está arrumando as malas. Pela primeira vez sairá de sua aldeia, de sua floresta. Vai viajar para a Europa, imaginem, acabou de ganhar o Prêmio Nobel da Paz.
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As Histórias do Velho Lenhador sempre as dedico aos netos e hoje não poderia ser diferente, meus” bunitinhos”... rs.
Expandindo a dedicatória, ela vai também para a Vida, para as crianças, para os bem jovens e para os nem tão jovens assim, todos os que me aceitam como avó... rs.
..
No dia das crianças... beijos, carinho, Galera!
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domingo, outubro 09, 2005

REVOLUÇÃO

Quero outra vida p’ra mim
Uma que não dependa de planos
Que não me consuma as horas
Em lidas sem direção ou efeitos
.
Quero livre a mente
Pensamento leviano
A alma solta no espaço
Forjados na imprudência
Passos a me afastarem
De tudo o que seja supérfluo
Me devolvendo o olhar
De auto-libertação
E que ainda de quebra me ensinem
A arte de restaurar corações
.
Quero o frescor, quero a alegria
Que nascem num largo sorriso
Das crianças em folguedos
Dos namorados nas praças
Em bitoquinhas e juras
Dos aposentados e seus tênis
Sarados na ronda do bairro
Quero as cores e a melodia
Que vicejam nas feiras-livres
Minha gente se lambuzando
Nos sabores das frutas maduras
.
Quero pisar as ruelas
De mãos dadas com as calçadas
Deixar que elas me ponham
Em marcha, em bailado de corpo
Rodando na ventania
Transformada inspiração
Hino venta leve
Leva alento
Às horas de sombra ou de sol
Ou de chuva ou de fome ou de sede
.
Esta é a vida que quero p’ra mim.
Aquela que vem com o amor.
Só ele é capaz de trazer
Em cada pegada a surpresa:
Serventia p’ro meu canto,
Destino ao meu caminhar.
.
(dedico à maria-menina, agradecendo pelo toque)

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quinta-feira, outubro 06, 2005

pessoal, subordinado e oblíquo

se sonho
se assumo
se assanho
se deito
se durmo
se sonho
se sofro
.
se ando só
se desconjuro
se te conjugo
se me irrito
se salto atrás
se solto a dor
se faço verso
.
se minha rima não se realiza
se essa birra você não esquece
.
é uma pena

é desperdício
é um suplício
é uma chatice

é teimosia
é solidão
.

(para um birrento)
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terça-feira, outubro 04, 2005

ZAPPING

enquanto isso, tião e coleguinhas, nas rodas, nos bares, jogam conversa fora, riem, mostrando como é leve e faceira a vida no campo...
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duas crianças engolem ovo cru e aprendem que para vencer na vida basta querer, ralar, engolir... e quem não tem nem o ovo?
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enquanto isso o menino me pede uns trocados para a cola...
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hora de dizer sim ou não?
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enquanto isso rodam-se as cadeiras dos Ps... aceita-se a melhor oferta... o que quer dizer o P?
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investiga-se o investigado que para fugir à investigação põe-se a investigar...
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o novo Bolívar me diz que a melhor defesa é o ataque...
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minha cidade descobre uma nova arquitetura para combater a pobreza... constrói rampas anti-mendigo...
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um senador embotocado, cabelo tingido, ajeita o beicinho e me manda um beijinho...
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enquanto isso, ouço: imagina se todo mundo resolve fazer greve de fome nesse país?
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e me obriga a imaginar também: imagina se todos os que já fazem greve de fome resolvem comer?
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enquanto isso, se a sardinha falta, cada um que puxe a água para a sua latinha...
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enquanto isso, um novo francisco, defendendo o velho francisco, no dia do pobre francisco...
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(Dedicado ao Bispo Luiz Flávio, meu frei querido... em oração, esperando que tu sejas ao menos respeitado pelo sr. presidente)
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sábado, outubro 01, 2005

Teresinha, Teresinha, Teresinha!

É quase orar com o olhar
O coração se acalma
Traz consolo para alma
Ver Teresinha no altar
.
É quase céu de doçura
Esta forma de oração
Na foto, a devoção
Teresinha é só ternura
.
É quase todo o carinho
E Jesus sabe que é hora
Faz com que eu encontre agora
Teresinha em meu caminho
.
Santa Teresinha, rogai por nós!
.
*************
1º de outubro - dia de Santa Teresinha do Menino Jesus
Deixo aqui um de seus pensamentos:
"Para mim a oração é um simples impulso do coração, um simples olhar que se lança para o céu".
..
*******
Quem quiser ver fotos da santa das rosas, clique aqui:
http://images.google.com.br/images?q=santa+teresinha&hl=pt-BR&btnG=Pesquisar+imagens.
E quem quiser saber mais sobre ela:
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terça-feira, setembro 27, 2005

...

duplipensar a vida e as questões
do humano em caminhada
(ou seria trombada)
viajar qual anjo desatinado
na descida aos infernos
ali encontrando o norte
no cheiro podre da morte
fazer valer o valente olhar da poesia
ou do quase nada, quase tudo
em tudo, um quase tudo
.
sugar da palavra a seiva
moendo-a na ação
derramar o suco nos braços
de quem reflete a vida e as questões...
.
contínuo mote do desespero
moto contínuo da esperança...
o que nos resta fazer
nos tempos
de anormal normalidade
(ou normal anormalidade)
.
a minha escolha está feita
por hoje me despeço, peço licença...
tenho um grande amor me esperando.
___________________________
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(pontos de partida: comentários ao poema Geografando de Dora Vilela em 26/09 - http://pretensoscoloquios.zip.net - e à crônica Quase tudo, quase nada de Loba em 27/o9 - http://www.lobabh.zip.net )
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domingo, setembro 25, 2005

mais uma tentativa

com a canhota descrevo
imagens que surgem borradas
dissipando-se ao leve toque
do teclado emperrado
são versos de mão quebrada
rodam na corda bamba
derrapam em entrelinhas
e se esborracham no concreto
.
oh, manquitolante poesia!
.
por mais que eu queira fazer
valer o olhar do amor
rico por natureza e destino
são pobres as rimas que tenho
ao papel oferecer
assemelham-se a desatinos
e apesar de todo empenho
carecem de qualquer valor
.
(resposta à Anawin)

quarta-feira, setembro 21, 2005

DUPLIPENSAR

até tentei falar de improviso
do inverno que se despede
da primavera batendo à porta
e das promessas que ela traz
a natureza se abrindo em flor
o cinzento ganhando cor
bobaginhas se repetindo
.
porém...
.
em tempos de malvadezas
cinismo, desfaçatez,
desconstrução da utopia
o improviso envergonhado
se auto-consome, se cala.
.
(é hora de regar as aspidistras)
.
Dedicado a George Orwell
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sexta-feira, setembro 16, 2005

COM VOCÊ...

aprendi a esperar a esperança
aprendi a sentir o sol na chuva,
a ouvir o som da cor,
a vibrar o nada e a solidão.
.
Aprendi a sentir no corpo
o ardor da espera,
o arrepio da vida,
a amolecida paz.
.
Com você
aprendi a me alegrar na ausência,
a me alegrar no encontro,
a me alegrar,
me alegrar,
alegrar.
.
Na verdade
com você
aprendi a viver
tudo isso que é amar.
.

segunda-feira, setembro 12, 2005

NO DESERTO

Pobres de nós
nem uma rede temos
para descansar nossas mentes,
para largar nossos corpos
no tom lascivo do abraço.
.
Pobres de nós,
nem um pátio florido
para abafar nossos passos
traçados pelas tormentas,
trançados na rebeldia.
.
(aqui acolá uma fruta caldo escorrente sede)
.
Persistem-nos as areias
ásperas, cúmplices, mutantes.
Nelas podemos deitar
nossas febres em urgência,
nossas almas retalhadas
que o vento embala e adormece.
.
Pobres de nós, ricos amantes!
.
(dedicado aos que do amor são andarilhos)

terça-feira, setembro 06, 2005

AGRADECENDO

Da tormenta inesperada
Recupera-se Cristina
Apesar do caminho longo
De tão penoso caminhar
Algo nos acompanha
Em confiança seguimos
Temos o amparo do Pai.
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Para os que por aqui passam deixo um pensamento de Santa Teresinha do Menino Jesus junto a meus agradecimentos por formarem tão poderosa corrente de orações.
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"Faz-nos tanto bem, quando sofremos, ter corações amigos, cujo eco responde à nossa dor".
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Beijos, carinho.
.
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quinta-feira, setembro 01, 2005

O REENCONTRO

Estarás desperta
Atenta às minhas palavras
Poderei lembrar casos
O capítulo da novela
Riremos juntas
Das estripulias passadas
E das que ainda virão
Haverá por fim um momento
Em que teu olhar viajante
Fará porto em meus olhos
Sentindo o sentido do tempo
Tua voz estará à espera
A minha em gesto atento
.
No fôlego após um suspiro
Deverei falar o que queres
De verdade e em verdade ouvir
Que estiveste apenas dormindo
Tal criança em abandono
No aconchego do Pai
.
(Dedicado à Tita)

sexta-feira, agosto 26, 2005

TERNAMENTE

De coração de mãe,
Do sentimento do pai,
Tanto se fala e se canta
Mas e da tia
O que se diz afinal
De quem não teve no ventre
O ser que seria metade
Da genealogia e futuro
.
Espécie de espectadoras
Nós duas, sobrinha querida
Parece que temos
Uma dimensão comum
És um olhar em demanda
Sou demanda no olhar
Te sentes quase uma filha
De minha parte, quase mãe
E sem nada sermos
A não ser partes de um quase
Quase nada
Quase tudo
Nos ofertamos na dor
Mútua resistência e vigília
Da existência pressentida
Apenas ternuras em laço
Simples ato de afeto
Este sim, bem mais do que um quase...
Pois sendo simples, completo.
.
(À minha doce Tita)
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quarta-feira, agosto 24, 2005

À NOSSA SENHORA DA CABEÇA

Eis-me aqui, prostrado aos vossos pés, ó mãe do céu e Senhora Nossa! Tocai o meu coração a fim de que deteste sempre o pecado e ame a vida austera e cristã que exiges dos vossos devotos. Tende piedade das minhas misérias espirituais! E, ó Mãe terníssima, não vos esqueçais também das misérias que afligem o meu corpo e enchem de amargura a minha vida terrena. Dai-me saúde e forças para vencer todas as dificuldades que me opõe o mundo. Não permitais que a minha pobre cabeça seja atormentada por males que me pertubem a tranquilidade da vida. Pelos merecimentos de vosso divino Filho, Jesus Cristo, e pelo amor a que ele consagrais, alcançai-me a graça que agora vos peço (pede-se a graça que se deseja obter). Aí tendes, ó Mãe poderosa, a minha humilde súplica. Se quiserdes, ela será atendida. Nossa Senhora da Cabeça, rogai por nós.
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Mãezinha do céu, eu confio em vós! Amém.
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(Pela recuperação de Ana Cristina, minha amada sobrinha)
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Sobre a devoção à Nossa Senhora da Cabeça:
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http://www.milicia.org.br/index.asp?pag=central/titulos/cabeca.htm&m=0
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segunda-feira, agosto 22, 2005

O TERÇO DA MISERICÓRDIA

A ser rezado no terço comum, substituindo as orações do terço como indicado:
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No início:
Pai Nosso, Ave-Maria, Credo
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Nas contas do Pai Nosso:
Eterno Pai, eu Vos ofereço o Corpo e Sangue, Alma e Divindade, de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo em expiação de nossos pecados e dos do mundo inteiro.
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Nas contas da Ave-Maria:
Pela Sua dolorosa Paixão, tende misericórdia de nós e do mundo inteiro.
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Ao fim do terço, rezar três vezes:
Deus Santo, Deus Forte, Deus Imortal, tende piedade de nós e do mundo inteiro.
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(Pela recuperação de Ana Cristina)
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Extraído de:
http://rosariopermanente.leiame.net/devocoes/misericordia.php
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sábado, agosto 20, 2005

ORAÇÃO A SÃO MIGUEL

São Miguel Arcanjo, protegei-nos no combate, cobri-nos com vosso escudo, contra os embustes e ciladas do demônio. Subjugue-o, Deus, instantemente o pedimos e vós, Príncipe da milícia celeste, pelo divino poder, precipitai no inferno a Satanás e a todos os espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas. Amém.
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Sacratíssimo Coração de Jesus.
Tende piedade de nós!
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(Por Ana Cristina)

quinta-feira, agosto 18, 2005

PARA UM AMIGO QUE SOFRE

Tenho me perguntado, constantemente, a que distância devo ficar de um amigo que sofre.
Existirá um padrão, um instrumento que me dê esta medida?
Talvez nem tão perto a ponto de invadir seu íntimo ou mesmo perturbar o seu descanso.
Talvez nem tão longe onde não possa escutar seu pranto e seu pedido de socorro.
Ao alcance de um olhar, quem sabe, seja a distância correta.
Lá, onde eu possa oferecer meu próprio olhar e assim abraçar o olhar do amigo.
Lá, naquele ponto em que os corações se encontram e se expandem.
Lá, onde eu possa ficar simplesmente e olhar... e deixar-me olhar... que é a forma pela qual duas almas amigas se entendem e se completam... mesmo que seja por um breve e fugidio momento.

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domingo, agosto 14, 2005

NO DIA DOS PAIS

Nós duas no topo da escada olhando a noite e os faróis. Desenhavam círculos concêntricos. Teu assobio perguntando. O de mamãe respondendo. Descias o baldio traçando uma linha reta. Ora paravas escondendo-te nas folhagens. Ora seguias o sinal que te era enviado.
O trecho pequeno levava, no meu pouco entender, uma eternidade para ser vencido. Não sabia ao certo a razão de tanta agonia. Só me agoniava junto e me esforçava por aprender o assobio em código. Os carros negros desistiam da marcha. Abraçava-te aliviada.
Muito tempo depois de tua partida pude entender o sentido destas cenas. Elas se repetiriam com outros atores, outros cenários, embora tom e tensão fossem os mesmos.
Nos dias de hoje revisito as lembranças em busca de inspiração para continuar. Por onde andariam o teu sopro radiofônico, tua remington incansável, teus varais de fotografias?
Se as respostas, não as encontro, sigo com tua imagem e por mais paradoxal que pareça, dada a saudade que ainda tenho de ti, chego até a me alegrar... por não precisares ver o que fizeram de teus sonhos.
__________________________
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... a todos os pais, o aconchego.
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quarta-feira, agosto 10, 2005

O CUIDADO

cuida do amor que mora em ti
e ele se transformará em gesto amoroso
.
cuida do gesto que voa de ti
a ti ele retornará em cânticos
.
em dueto vela e segue
no caminho a canção se revelará
.
AMOR
.
(Dedicado a Clara e Francisco)
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quarta-feira, agosto 03, 2005

PARA TUDO TEM UMA HORA

Um dia, sem mais nem menos,
Começou a pensar na morte.
Como seria o velório...
Nem se atrevia a deixá-lo
Entregue à própria sorte.
Se sempre tudo planejara
Tomou lápis e papel
E lá vai recomendação:
.
As cãs da testa disfarçadas
Com flores entremeadas
Descendo pelos cabelos soltos.
Base dando uma cor...
Com as rugas,. nem se importava
Não gostaria é de se ver abatida
Na solene data da própria saída.
Nos olhos, um fino traço
Dando leveza ao olhar,
Um batom discreto, rímel...
A roupa deixaria a gosto
Pedindo só que usassem
Uma que lhe dissimulasse
O contorno arredondado.
Nas mãos, que não esquecessem do rosário.
Lembrava-se toda pomposa
De um de botões de rosas
Vindo direto de Assis.
.
Aos amigos, nas despedidas,
Um coquetel bem servido,
Daqueles com até prato quente
E para passar o tempo,
Que contratassem um trio:
Bateria, piano e baixo.
Em anexo, o repertório seguia.
.
Para a encomendação,
O coro da Igreja São Bento
Em gregorianos mistérios.
Quem sabe um solo com Fortuna...
Imaginou as coroas, mensagens,
Carruagens empurrando-a para o céu
E, no auge da pretensão,
Antevia já o reencontro
Com falecidos queridos.
.
A missa, em alguma capela,
Filtrando por entre vitrais
Floridas azaléias em eternas florações.
As luzes todas acesas,
Velas novas no altar.
.
E as flores, de preferência
O amor-perfeito
Em arranjos esparramados.
Seriam tantos vasinhos
Que cada convidado
De lembrança um carregasse.
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Último ato de insubordinação:
Liturgia fúnebre, nem pensar.
Mesmo sem ao Sr. Bispo avisar,
Que trocassem as leituras.
A primeira, encontrariam em Provérbios.
Aquela em que a sabedoria se apresenta
Junto de Deus, a artífice
Brincando sobre o globo de sua terra.
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Deixava ao gosto dos amigos
A escolha do cantor
Do salmo, deste sim, fazia questão.
Que fosse o do Bom Pastor,
Atravessando-a pelo vale escuro,
Segurando-a pela mão.
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Para a segunda leitura,
A carta de São Paulo aos Coríntios.
Perfeita ao definir o amor
A que tudo desculpa, tudo crê,
Tudo espera e suporta.
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Pelo incenso perfumado,
O Evangelho a ser cantado,
Do Apocalipse um trecho
Em que Nossa Senhora a esperasse
Revestida de sol e realeza
Resplandecente, maternal beleza.
O padre, sacerdote zeloso,
Saberia em sua homilia
Ser loquaz e amoroso
Nos cuidados aos presentes.
Haveria ainda um momento
Para se encaixar
Uma ressalva aos lá do alto.
Até que seria sensato
Acrescentar os novatos
E ressoar com encanto,
Entremeada a prantos,
A ladainha de todos os santos.
.
Mas o que seria gravado
Na lápide a defini-la?...
Releu o que havia escrito
Em busca de inspiração.
.
E... só então...
.
Fez um balanço da vida.
Da vida longa, vivida
Na vida que não viveu.
Pondo tudo na balança
Viu o prato dos desacertos
Pendendo mais que os do bem.
Resolveu não ser a hora.
Pensou, refletiu, ponderou...
.
Só iria se entregar
Quando amigos e descendência
Pudessem em sã consciência
Em epitáfio lavrar:
.
“Aqui jaz nossa querença,
Mulher justa e aguerrida,
Foi tempero nesta vida
E morreu de tanto amar”.
.
Citações: Livro dos Provérbios, 8; Salmo 23; I Carta de São Paulo aos Coríntios, 13; Apocalipse, 12.
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sexta-feira, julho 29, 2005

VOLTANDO

Depois do pastel na feira
Depois do frio e do sol,
Das doces claras em oração,
Depois do enfoque no amor,
Da cumplicidade com as rosas...
.
Depois da calçada, do entorse,
Do lapso e de um braço amigo,
Depois da dor,
Da vida, café, cafuné,
Os ligamentos rompidos,
Cadeira de rodas, bengala.
.
Depois de silêncios impostos
E de dilúvios astutos,
Mais rosas, mais braços amigos.
De novo conversa amorosa
Com Teresinha no altar.
.
Os ligamentos se entendem,
Esqueço a dor no arquivo.
Os afetos... estes celebro.
São toda a razão pra voltar.
.
(Dedicado às minhas doces amigas da Toca de Assis)

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domingo, julho 10, 2005

DOMINGO

apenas tu
chuva
lava
alma
rega
verso
leve
leva

apenas tu...
a calma
. .
verosimilhanças
ora as dos afogados oceanos
ora as dos mergulhos dunas
às vezes
uma ilha para beber fôlego
ou um oásis para matar a sede
matrizes em verbo
versos semelhanças
.
(dedicados, o primeiro a Alex e o segundo a Daniel)
.
http://palavreando.zip.net/
http://aladiah.blogspot.com/
.

quarta-feira, julho 06, 2005

UMA LENDA

a tanto sobreviveu
à seca, à fome,
aos maus tratos...
.
menino valente sobreviveu
à estrada poeirenta,
à boléia do caminhão,
ao desamparo.
.
jovem intrépido resistiu
à perseguições, à intolerância,
às injustiças, em luta.
.
adulteceu íntegro
cortando a própria carne.
.
reconheceu-se homem
repartindo seus passos firmes.
.
ao se aproximar da velhice
sem mais nem menos resolveu
que não mais viveria
sem os brinquedos
que a infância lhe negara.
comprou um avião.
.
não mais adotaria farrapos.
mandou talhar nobres vestes.
.
não mais partilharia passos com poeira.
instalou tapetes ao seu redor.
.
deliciou-se em letícia.
.
... e nunca se viu
na história daquele reino
figura mais trôpega.
.
(dedicado aos contadores de histórias)
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sexta-feira, julho 01, 2005

MATURIDADE

A você que entra nos enta
Devo contar como é a vida
Agora chegando aos 60
Posso dizer que é doída
Nos 30 me achava madura
Tinha a verdade, sabida
.
(mas)
.
Aos 40 cheguei bem sofrida
Parti para recomeçar
Hoje caminho segura
Sei que ando em liberdade
.
(pois)
.
Maturidade à venda
Em loja, empacotada
Não vou mesmo encontrar
.
(Dedicado a Carl Rogers)
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quinta-feira, junho 23, 2005

...

LUTOLUTOLUTOLUTOLUTO
LUTOLUTOLUTOLUTOLUTO
LUTOLUTOLUTOLUTOLUTO
LUTOLUTOLUTOLUTOLUTO
......................................................luta


Junte-se a nós no repúdio à corrupção, mensalão e afins!
Visite o Loba, Corpus et Anima e demonstre a sua indignação.
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segunda-feira, junho 20, 2005

ENTALHE

um sol tímido e apressado
esculpiu um halo ao teu redor
esperança gravada em arco
.
um molde vazado e inquieto:
.
era a tua dor
na minha dor
.
(Dedicado à Florbela Espanca)
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domingo, junho 19, 2005

QUESTÃO MÍNIMA

De quantos anos
precisa uma nação
para do jeitinho
chegar ao mensalão?
.
Dedicado
aos perplexos,
aos inconformados
e aos entristecidos.
.

quinta-feira, junho 16, 2005

O APAIXONADO

Uma voz no silêncio do sonhos...
.
Nem imaginas a minha expectativa
Quando pressinto teus passos
A descer as escadas em meio ao jardim
Carregada de ouro e pedras preciosas
Me envolverás em teus sândalos
Me vestirás com tuas sedas
Farás cantar harpas e flautas para mim
E no olhar trarás os enigmas e dores
Que rondam o teu espírito
Tuas dúvidas serão minhas
Teus sofrimentos já os terei
Minha boca se acenderá por ti

Teus lábios soprarão doçuras
Meus braços serão teus
Os teus se abrirão para mim...
E é este o momento há muito desejado
Aquele que eu gostaria de eternizar
Para que, quando retomares teu caminho,
Tenhas em teu coração
Gravada no centro de ti
A minha marca de amor
Pois é tudo o que importa
De nada mais preciso
Para em ti ser feliz

.
... ao amanhecer me deixei acordar.
.
(Inspirado em I Reis, 10 e dedicado à Vocação arteDeus)
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terça-feira, junho 14, 2005

CENAS DO DESAMPARO

Foram quarenta, sessenta minutos, não sei.
O tempo parou naquele declive coberto por grama.
Pequenos arranjos de flores salpicavam o verde aqui e acolá.
O silêncio só não era completo porque cortado pelo som ritmado das pás.
A batida do surdo alternada pelo repique da caixa, ao cair da terra na vala funda, indica que tanto ficou para trás. Os sonhos e esperanças, se é que existiram... As responsabilidades, obrigações, tarefas, deixadas inconclusas... Toda luta, agora sem uma causa ou motivo...
À cadência das pás, junta-se agora o choro de uma criança.
Começa com um leve soluço, pianíssimo, buscando fundo o sentimento desconhecido que a faz atônita.
Os olhos fixos no movimento das pás, acompanham seu trajeto e pousam naquele vão aberto, talvez à espera de um último adeus. Que não vem.
Um sabiá canta ao longe e recebe de volta a resposta de sua companheira.
Uma brisa leve traz aos sentidos o cheiro do humus, pois as pás continuam seu trabalho.
De pianíssimo, o choro passa a forte. Parece ter encontrado a própria dor. Desespero, desamparo, raiva contida.
Um fino raio de sol rompe a espessa camada de nuvens e alcança a cena, iluminando-a.
Outros pássaros, agora não mais sabiás, fazem contraponto aos soluços magoados da criança.
Fortíssimo é o lamento, como também são o desespero, o desamparo, a raiva, agora assumida.
Estou só? É o que pergunta aquele choro descontrolado.
As mesmas mãos que tocaram as pás agora suavemente depositam as flores sobre os últimos acordes da sinfonia, abafando-os.
O choro vai se acalmando.
As nuvens engolem o delicado raio de sol, ouve-se ao longe mais um sabiá e, depois, o silêncio.
O olhar da criança ainda espera o último adeus. Que não vem.
Seus olhos estão secos. Agora entendem e murmuram: estou só!
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(Dedicado ao Bruno)
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sábado, junho 11, 2005

ENTRE ASPAS

Hoje quero compartilhar com os amigos um poema de Emily Dickinson.
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Na Minha Flor eu me Escondo
.
Na minha flor eu me escondo
para que, se me levas em teu peito,
sem querer também me vestes
e só os anjos sabem o resto!
.
Na minha flor eu me escondo
para que, teu vaso abandonando,
sem querer sintas por mim
quase uma solidão.
.
Extraído de "Os melhores poemas de AMOR da sabedoria religiosa de todos os tempos".
Seleção, apresentação e tradução de José Jorge de Carvalho.
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quarta-feira, junho 08, 2005

QUEM AMA...

decifra gesto
digita poesia
.

... gesta
.
____________________

É tempo dos enamorados.
É tempo de descobrir o amor.
_____________________
Dedicado a todos os que estão participando da SEMANA,
mandando recadinhos, poemas, declarações de AMOR...
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terça-feira, junho 07, 2005

SELF SERVICE

para os que a timidez cala
ofereço uma banquinha
com my self em promoção
é só escolher a quadrinha
juntar flores e enviá-la
ajeitada num cartão
.
(se)
o desejo é clandestino
procuro uma nação
que dê asilo ou destino
ao meu sofrido coração
.
(se)
vive meu olhar no exílio
escondido e degredado
peço entrega em domicílio
de um fogoso namorado
.
(se)
não precisa ter visto
nem passaporte assinado
é porque eu não resisto
a um peregrino apaixonado.
.
(se)
o que os olhos vêem
o coração consente
em delivery apresente
um suave eu te amo
e já me deixará contente
.
(se)
você já fez de tudo
flores, cartões, serenatas
para chamar a atenção
de um insensível coração
e não há nada que ajude
(de minha parte fiz o que pude)
tenta a derradeira jogada
lança-lhe uma rápida olhada
tasca-lhe um bom beijo fast food
.
Estamos em plena SEMANA DO AMOR.
Navegando até o lobabh.zip.net, você poderá se revelar.
Mas que seja rápido, pois o amor tem pressa.
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sábado, junho 04, 2005

TRINDADE

Eu sou
És tu
.
Somos
Espaço indizível
Intervalo em sopro
Concha tramada
Nós

.
(Dedicado ao meu vèinho e ao intransitivo que ousamos conjugar)
_______________________
_______________________

.
O amor é frágil tesouro.
Precisa de cuidados, de agrados,
De doces palavras e gestos.
Quem ama tem o dever de contar.
Quem é amado precisa saber.
Vale verso, vale prosa.
Só não vale vacilar.
.
Assim sendo, declaramos, Loba e eu, aberta a semana dos enamorados.
Destinada a todos os que já encontraram o amor e também aos que ainda o procuram.
.
No lobabh.zip.net, as instruções para mais um fazer coletivo.
Não deixe para revelar amanhã o amor que hoje clama.
Participe.
________________________
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quarta-feira, junho 01, 2005

ODE A UM ARMÁRIO

Surpresa assim de repente
Nem sei de onde ele veio
Chegou-me como um presente
Há de se julgar pelo estilo
Que tenha vindo do passado
Forte, imponente, garboso
Exibindo graça ao brilhar
À espera, no meio da sala
Parece que está a chamar
.
Com respeito me aproximo
Qual criança curiosa
Suavemente o toco,
Acarinho, deslizo a mão
Respiro o perfume do cedro
Sinto a pujança do tempo
Renovo ancestrais compromissos
.
Conto e reconto as gavetas
O que posso ali guardar
Vai logo se definindo
Na mais baixa devo encerrar
A ausência de meu pai
A infância tão ferida
A adolescência perdida
Tranco-a p’ra não mais olhar
.
Logo acima arquivo os fracassos
Sempre os devo rever
Pois servem de referência
Indicam os meus novos passos
Evitam que eu ande a esmo
Levando avante o sofrer
.
Agora a gaveta dos sonhos
Embaralhados, alegres
Fazem grande alvoroço
Vivem inesgotável festejo
Da arrumação desisto
Fecho-a com dificuldade
Permito que fiquem para fora
Pontas do que mais almejo
Pontes p’ra felicidade
.
São quatro as pequeninas
Que vêm logo a seguir
Em cada uma encaixar
Decepções, injustiças,
Desafetos e o receio
De a alguém mais ferir
.
A última tão alta está
E sendo um pouco emperrada
Impede olhares de esguelha
Lá vou acomodar meus segredos
As fantasias mais loucas
As paixões sangüíneas, vermelhas
As dúvidas que não são poucas
Os amores inconfessos
Os pecados, remorsos e medos
As máscaras dissimuladas
.
Quase pronto o meu armário
Mas falta-lhe um quê de beleza
Algo de majestade e firmeza
Que o transforme em relicário
Encontro um belo xaxim de hera
Em ramagem esparramada
Na cobertura a ajeito
Avalio a doce quimera
Ainda assim pobre de luz
Pouso a mão em meu peito
Tateio a medalha encontrada
Descubro o que me faz desolada
Não há um afeto inteiro
Falta à estante, calor
Trago a imagem de Jesus
Concluo a lida aliviada
Ele com coração à mostra
Instala-se feito um posseiro
Em terno arremate de amor
.
(junho - mês dedicado ao Sagrado Coração de Jesus)
.

segunda-feira, maio 30, 2005

ACHADO NO BAÚ

SERPENTEIA SERPENTINA
ATINA COM QUE EU QUERO CONTAR
.
SOLTO O PASSO
VIRA A GINGA
VEM NO EMBALO DO BLOCO A DANÇAR
NÃO SE ABALE
SÓ SE EMBOLE
FINCA O CORPO
.
TEM O CORSO
TEM CORDÃO
TEM O ENTRUDO
ENTRA EM TEMPO NO BLOCO A CANTAR
.
E DESSE CANTO
EXPIA O ENCONTRO
QUE FAZ O ENCANTO
DE SE TROMBAR
.
(De 1981 - dedicado a Caetano Veloso)

sexta-feira, maio 27, 2005

EM PACTO COM A SOMBRA

sei que aí estás
sinto em mim o teu perfume
se és tu a me emprestar as asas
sou eu a te fazer volátil
.
somos vadias miragens
em vôos de figura e fundo
apenas suave aroma
incenso do que resta em nós
contínuo mote de agonia e gozo

.
(Inspirado por um verso da Loba: “Não consigo entender como posso gostar tanto de mim até mesmo quando sou volátil como perfume de sombra” e dedicado a C.G. Jung)
.

quarta-feira, maio 25, 2005

"DESÍGNIO"

Tudo era só contentamento, cuidado e espera
A alma brilhando tal alumínio depois de areado
Já não pregava os olhos há várias luas e sóis

.
Ora no degelo se espraiando
Água viva escaldante beijo
Ora em fogueira se alastrando
Fogo vivo refrescante abraço
Crescente luz a pratear anseios
Tempo a pino sombreando dor
.
Já não pregava os olhos...
“E eram os sonhos a mantê-la acordada”.

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(Dedicado a Darcy Ribeiro)

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segunda-feira, maio 23, 2005

ELOS PERDIDOS

Uma conversa pelo telefone aparentemente sem rumo, ingênua, daquelas que só acontecem entre amigos que se admiram e se respeitam. Partilha de contentamentos e sonhos, parecendo coisa de adolescentes não fôssemos as duas, Loba e eu, mulheres maduras. Uma idéia, a de sair pela vida procurando elos perdidos. Para a concretização dela, um passo. O evento, como qualquer evento, precisaria de tema, lema, logotipo, folder, panfletagem. Uma verdadeira campanha de marketing. E lá fomos nós.
No início lembrava-me alegremente das pessoas queridas, afastadas por contingências da própria vida e de como seria bom reencontrá-las. Porém, enquanto me envolvia com as providências para o evento, meu coração começou a pregar-me uma peça, assoprando-me um nome ao ouvido. Fingi-me surda por um tempo, mas vocês sabem o quanto o coração é persistente e o quanto é impossível o controle sobre ele. Rendi-me a pensar sobre uma relação rompida no desentendimento. Afundei-me na auto-análise. Imagens doridas, razões, motivos, desmotivos. Meus próprios erros, as expectativas que joguei sobre ela, as inevitáveis decepções, as ofensas mútuas e chorei. Surpreendentemente, pela primeira vez em muitos anos, vieram também lembranças tão boas. Nossos passeios pelos shoppings, nossas trocas de segredos, projetos que realizamos juntas e das leituras que ela fazia de minhas poesias. Suas interpretações dotavam meus escritos de uma beleza que eles não têm. Estava nela a poesia. E quem tem poesia no olhar tem o amor nos poros e na alma. Sabe amar e nos ensina a conjugar este verbo. Sei que neste momento uma reaproximação é impossível. Mesmo assim sinto-me aliviada. Algo se reconciliou dentro de mim. Recuperei um elo perdido em meio ao sofrimento e à dor. Hoje posso tranqüilamente responder ao meu coração. Sim, eu a amo e volto a chamá-la de irmã. Querida irmã. De quem só quero guardar, daqui para frente, os ensinamentos, o carinho, os momentos de partilha e completude.
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O tema ELOS PERDIDOS está rendendo. Catarse, polêmica, reflexão.

Acredito que em cada elo deixado pelo caminho está um pedaço de mim. Um tantinho de meu afeto. E que só sou inteira... se está inteiro o meu afeto.
Então vamos em busca de elos, elas, eles... nós.

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As instruções para o fazer coletivo estão no lobabh.zip.net e as participações podem ser enviadas também para:
adeliatheresacampos@hotmail.com
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sexta-feira, maio 20, 2005

A MAIS PURA VERDADE

Eram duas sementes. Com uma engasgou-se o menino. Outra na terra se quedou. Pisada, enquanto chegava a água e os inevitáveis tapas nas costas que faziam arder o menino. Quando o sufoco passou cada um voltou a seus afazeres e todos na cidade se esqueceram do fato. Até que o menino começou a mudar. Crescia a olhos vistos. Sua pele, antes puro veludo, foi se tornando rugosa e esbranquiçada. Entremeadas aos cachos de seus cabelos brotavam aqui e ali folhas imparipenadas. O povo daquela cidade, mesmo acostumado a tantos assombros, olhava de esguelha o menino. E ele crescendo. Em casa já não cabia. O coreto da praça o recebeu e sua mãe toda manhã deixava ali água fresca, o pão de cada dia e voltava a tratar do roçado. E ele crescendo. Assim já era demais. Os cachos todos sumiram. Sua cabeça era só folhas. E eis que, na primavera, surgem flores. Alaranjadas. Já não mais cabendo no coreto, plantou-se na praça o menino. O perfume que se esparramava para além dos limites do povoado atraía curiosos. Chegavam em caravanas, montados no lombo de jegues ou mesmo a pé. Na hora do ângelus mulheres rezavam o terço enquanto os homens faziam apostas no balcão do boteco. A quantas chegaria o menino se já media 15m. Tanto alarido chamou a atenção das autoridades. Montou-se uma comissão com os mais ilustres sábios do país. Chegaram em carros vistosos, trazendo aparelhos estranhos e passaram a estudar o fenômeno. Interrogaram os pais, vizinhos, retiraram lascas do menino-árvore. Examinaram, discutiram e foram embora. Sumiram sem dar explicação. Soube-se depois, que entrevistados por jornais e TV foram lacônicos ao responder. Nada a declarar. O menino-árvore é uma fraude para atrair incautos. Aos poucos o povoado foi voltando à normalidade. Acostumava-se. O menino, a essas alturas da história, com 25m oferecia uma fresca sombra para a hora em que o sol se estatela. Num dia, destes em que até o mormaço é silêncio e amolece, algumas crianças, aproveitando-se da sonolenta desatenção dos adultos, faziam arte com as flores caídas no chão. Bem picadinhas, misturadas à água, tinham ali um suquinho, um pouco ácido, embora gostoso, brincadeira comum entre crianças. E lá mandam o tal suco para dentro. E assim foi descoberta a propriedade emética do menino-árvore. Mas efeito oculto estranho. Primeiro as crianças se queixavam de dor de barriga e nó no estômago. Choravam. As mães acudiam aflitas, apoiando-lhes os espasmos. Pois não é que nada de nojento acontecia? O que punham para fora eram palavras transformadas em poesia. A surpresa logo se transformou em alegria. As crianças, agora livres de maiores indisposições, saíram a poetar pela vila e pelos campos. Eram só versos de amor sendo despejados por todos os cantos. O agreste agradecido de tanta belezura foi se transformando em verde. As colheitas se multiplicando. Até as brigas em ponta de faca, comuns depois das bebedeiras, cessaram. Tudo era só contentamento, cuidados com o menino-árvore e espera. A cada ano, uma nova primavera.
Da outra semente, nada se sabe. Alguns rumores davam conta de que ela, atravessando a Terra, tivesse saído por um furinho do outro lado e se perdido na estratosfera.
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Tenho aqui mais uma história. Mas essa nem vou me dar ao trabalho de contar, pois é pura balela. É sobre um astronauta excêntrico que afirma ter identificado um buraco branco muito luminoso, durante sua última viagem interplanetária. Grande descoberta científica, pois se sabe da existência de buracos negros. De brancos nunca se ouviu falar. Ele chegou até a escrever um artigo relatando como verdade que durante a primavera, do buraco branco, saíam revoadas de anjos carregados de sementes, em direção à Terra. Ainda bem que a NASA, depois de alguns testes psicológicos, internou o astronauta num hospício. De onde nunca mais saiu.
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(Inspirado pelo Zumbi e dedicado ao Linaldo)
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Aviso Importante
Na vida vamos permitindo que afetos nos escapem. Não importam os motivos do afastamento. Importa a falta que tais elos nos fazem. Se você quer se reaproximar de um amigo ou amiga, não perca a oportunidade. O blog da Loba está promovendo a semana do ELO PERDIDO. Vá até lá e participe.
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quarta-feira, maio 18, 2005

FEBRICITANTE

Se sou só ou se só sou, não importa.
Se é cara a cara nova de plástico em substituição ao rústico, nem sei.
Se o cara arranca da gente a grana depois de encostar o berro, quem liga?
Se o jornal mostra em letras garrafais o tanto que a garrafa mata, fazer o quê?
Se o mal vence o bem em quase todas as batalhas, continuo rezando.
Se a carne é fraca, o coração pedinte, o telefone toca...
Ai! Quando é que vão inventar a cura pra gripe?
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(Dedicado ao Dr. Marcos, para ver se ele me tira de estado tão lastimável)