terça-feira, novembro 01, 2005

DOIS PERDIDOS

Nem sei se ele se lembra. Estávamos os dois a rodar pela cidade quando me perguntou:
- Para você o que sou?
Sem saber qual caminho tomar parei e o olhei de forma interrogativa.
- Para a esquerda ou direita?
- Por ali, não vê que estamos na contra-mão?
De repente um enorme caminhão... e eu... sanduíche de gente... apertei-me contra a guia enquanto ele me lançava um olhar divertido. Rezava para que não aparecesse um guarda. Seria obrigada a confessar que minha habilitação vencera há tempos. O celular disparado e eu enganchada entre uma moto e latas de lixo, sem poder atender.
Engatei a primeira e ele a me alertar:
- Está vermelho!
O celular parou. Aproveitei para acender um cigarro e esperei... ai que coisa boa, à meia luz, a sós, à toa...
No verde, segui.
- O que foi que você perguntou mesmo?
- Preste atenção. Deve entrar à direita na próxima esquina. Logo depois da curva, fique à esquerda.
No rádio, Rita Lee ainda fazia o fundo e eu cantarolando junto... você e eu somos um caso sério... antes de retomar a conversa.
- Fala, o que foi...
- Cuidado, está na faixa do ônibus... cada um na sua... uma quadra e... perdidos na cidade nua... passou, você passou!
Mais outra volta no quarteirão, naquele trânsito...
- Pode parar ali, perto da árvore. Chegamos.
Destravou o cinto de segurança e antes que eu puxasse o freio de mão já abria a porta
- Espera. O que me perguntou quando ainda estávamos na São João?
- Para você o que sou?
Tinha tanta ternura nos olhos que me perdi neles, não sabendo o que responder. Fechou a porta sem deixar de me olhar pela janela... empapuçados de amor... lançando um sorriso, endireitou o corpo e se apressou... ao som de um bolero... estava atrasado, claro.
Recuperando o fôlego gritei.
- Você é meu GPS!
Tarde demais. Buzinas encobriram a resposta. Estava parada na entrada de um prédio interrompendo a passagem. Ele, depois de contornar um buraco da calçada, olhou para trás, ainda sorrindo e acenou. Estava longe do alcance de minha voz. Não mais escutaria. Repeti, agora apenas sussurrando:
- Você é meu GPS, minha bússola.
Engatei a primeira. O pé escapou fazendo o motor engasgar. Na segunda tentativa consegui. Fui... mesmo não sabendo muito bem para que lado... você e eu somos uuuum caso sério... dose dupla...
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Inspirado em uma conversa com minha amiga Ádina, a quem dedico o post.
Os itálicos foram emprestados por Rita Lee e Roberto de Carvalho em Caso Sério.
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