quinta-feira, dezembro 27, 2007

ANIVERSÁRIO


O que são três anos
O que pode representar tão curto espaço de tempo
frente ao tempo
Para alguns setores de minha vida
foram acréscimo
Em outros, perda
No trabalho, o empenho de sempre
Com a família, algumas aflições,

muitas alegrias
Os netos moços companheiros
A neta, que ainda nem existia, correndo pela casa

- vovó!
Os amigos, sempre amigos queridos
.
E os escritos...
Hoje o “Oceanos e Desertos” completa três anos
Fui tentada a fazer um balanço
do que vivi nesse espaço
Não mais rascunhos

em pedacinhos de papel
amassados e esquecidos

no fundo de bolsas e gavetas
Até minha rotina se modificou
Quando nas profundezas do oceano
prestes a perder o fôlego

encontro aqui uma ilha aprazível
Das areias quentes dos desertos
ressequida pela sede

deparo-me com meu oásis
Se o sol é tépido e a brisa fresca
trato de falar de amor
E escrevo, reviso, procuro a palavra certeira
Tento dar a melhor forma

para a inquietação do momento
.
Aqui celebro alegrias
Aqui depuro minhas dores
Aqui canto o amor
.
Ah, as letras impressas na tela
Mostram-me o que escondo de mim
Às vezes volto a textos antigos arquivados
Quando os releio sinto que recupero minha história
E os comentários, então, até hoje, causam enorme prazer
Chego a ter a ilusão de ser uma poetisa de verdade
.
Mas o melhor de tudo, é a teia que tecemos
Sinto-me privilegiada
Muitas faces nem conheço
Conheço palavras
impressões digitais dos corações
Lindos corações que se unem e se irmanam
Somos uma comunidade original
Estamos construindo uma nova forma

de relacionamento humano
Poder, riqueza e perfeição física

deixam de ser valores
O que nos cativa é a verdade da palavra
Daquela que brota pura
Direto da alma
Mostrando a beleza

inerente a toda criatura
.
Três anos e uma nova dimensão
Um novo ponto de vista
Pessoas maravilhosas
Um novo mundo
Uma grande felicidade
.
Agradeço a todos os amigos e amigas
por tão enriquecedora convivência

nesse tempo-espaço.
.
Beijos, carinho e...
.

FELIZ ANO NOVO!!!
.
.

terça-feira, dezembro 25, 2007

domingo, dezembro 09, 2007

PERFIL ÀS AVESSAS

Mãos sobre o teclado, um olhar de soslaio, o encontro com o espelho. Sou o que vejo e disso já estou cansada. Escolho pinçar no nome aquilo que quero ser. E saio por aí a sondar inspiração alheia.
.
De ti, Adélia, invejo e confesso, mais do que a poética, roubo-te a maturidade, a aceitação mineira do fortuito, do inevitável e da busca no profano o que divino resta. Serena palavra ao encontro de ti mesma de verdade tanta, incontestável manto. Quero como tu, entardecer-me fé
.
De ti, Teresa, invejo e confesso, mais do que a visão profética, roubo-te o desejo da morte, se está longe o amado, a coragem santa expondo o próprio ventre, a alegria na agonia da entrega em labaredas ao abraço de Jesus. Espero ao anoitecer-me fé queimar-me na verdade como tu fizeste.
.
Nos Campos quanto há mais para se voejar. Roubo-lhes o arejado em rente, a ruptura, o descontínuo espaço. Desconstrução real, falácia verdadeira, verso em espiral. Rima derradeira, traços no papel.
.
E o que mais aspirar posso do viver na expressão.
.

quarta-feira, novembro 21, 2007

ANATOMIA DE UM PESADELO

I
A PRIMEIRA MULHER
.
De mãos dadas entramos no saguão do cinema. Vozes indistintas provocavam o zunido típico de sala de espera. Encontrando uma cadeira vazia, acomodei a menina. Sentei-me no chão ao seu lado. No canto oposto, a bomboniere rodeada de gente. Um ar estranho envolvia a cena. Não saia daí, foi a minha recomendação, desnecessária talvez, vou comprar umas balinhas. Ao apoiar a mão no piso para me erguer, apalpei um objeto. Estranho, o que fazia ali um revólver? Levantei-me já com ele nas mãos. Com dificuldade abria caminho entre aquelas pessoas sem rosto quando percebi um bando anunciando o assalto. Uma mulher de longos cabelos castanhos, vestida de guerrilheira liderava o grupo. Tentei me esconder, mas fui farejada. Ela agitou o revólver em minha direção, e eu voltei. Apenas com sinais, a mulher me intimou a lhe entregar o revólver. Abaixei-me e, com um leve impulso, fiz com que a arma deslizasse pelo chão de granito.
.
. .

II
A SEGUNDA MULHER
.
Quando anunciamos o assalto, as conversas cessaram imediatamente. Pessoas sem rosto olharam-nos assustadas. Ninguém se mexia. Parecia que tínhamos o controle quando percebo aquela mulher de longos cabelos encaracolados se esgueirando contra a parede. E o que fazia ela com uma arma na mão? Apontei-lhe a minha. Ela recuou enquanto eu atravessava o saguão sem perdê-la da mira. Quando ela chegou ao lado da menina, fiz-lhe sinais para que me entregasse o revólver. Os sem-rosto colados à parede abriram um vazio no meio da sala. Ela, abaixando-se, empurrou o revólver em minha direção. Ele veio deslizando, girando, assobiando, produzindo um leve sussurro que me deixou extasiada.
.
. .

III
A MENINA

Atravessamos as portas de vidro e entramos na sala de espera. Um grande grupo aguardava o fim da sessão. Corpos sem rosto se amontoavam contra as paredes. Alguns em volta da bomboniere conversavam. O som das vozes parecia um ataque de abelhas. A recomendação, como se eu pudesse sair, pareceu sem propósito. Ela sabe que não posso. Tenho medo de gente. Tenho medo de gente sem rosto. Tenho medo de vozes, de zumbido de vozes. Tenho medo. De soslaio, acompanhei os movimentos dela. De onde saiu aquele revólver? Enrosquei as mãos em um cacho do cabelo, abaixei a cabeça, olhei para dentro e comecei minha dança. Para frente, para trás, para frente, para trás, naquela cadência que sempre chegava junto com o medo. De repente, o silêncio me paralisou. Levantei os olhos e vi. Uma mulher golpeava o chão com as botas e balançava uma arma. A outra voltava se esgueirando. Penso se ainda poderei me apossar do revólver. As duas olham-se fixamente. Enfrentam-se. A minha acompanhante se abaixa, a luta está perdida, empurra o revólver pelo chão em direção à mulher de botas. Traçando uma diagonal, ele se vai rodopiando em valsa, levando junto o meu olhar estático. O que fazíamos ali? A mulher, outra mulher, eu menina, as três únicas com rosto? Enrosquei as mãos em um cacho do cabelo, abaixei a cabeça, olhei para dentro - para frente, para trás, para frente – pêndulo invertido, não via mais ninguém. E ninguém me via.
.
(Dedicado a CJ)
.

domingo, novembro 11, 2007

ACASO OU SINAL?

Você se aproximou. Tocou o meu ombro. Seus lábios roçaram minha face. Gestos absolutamente formais não fosse a cena que se seguiu. O botão de seu punho enroscado em meus cabelos não permitia que nos separássemos. E quanto mais tentávamos mais se embaraçava o nó.
.
Acaso ou sinal?
..
Sina... de enleados caminhantes.
..
(Dedicado a CJ)
.

segunda-feira, novembro 05, 2007

susto

no travesseiro que era para ser só alfazemas
pousa o trevo de três folhas
inerte, sem graça, sem significado algum
.
naquela manhã queria dizer
algo de esperança
ou vingança
algo de amor
ou desespero
nunca do vago
espaço em branco
colcheia vazia
regendo passos ao léu
conduzindo a suspeita
se vale dormir
se o sono não sonha
nem pesadelos produz
.
se a rosa ferida
se o cravo, coitado...
.
bem-me-quer-mal-me-quer
.
o vento se foi
levando o jardim e seus sons
.
acorde
.
ou
.
durma
.
a poesia acabou

.

sexta-feira, outubro 12, 2007

NO DIA DAS CRIANÇAS

HISTÓRIAS DO VELHO LENHADOR
.
O Velho Lenhador que sempre fora bem-disposto, há várias semanas sentia-se insatisfeito. Nos últimos tempos sua aldeia, à beira da floresta, tornara-se desanimada. Muitas crianças e jovens haviam partido para cidades grandes. Precisavam estudar ou buscar novas oportunidades. A floresta não mais vibrava com o som das reinações infantis. A praça da matriz não mais recebia o alegre vai-e-vem dos footings juvenis. Sentiu que precisava fazer alguma coisa.
Naquele dia acordou mais cedo ainda. Abriu a janela e, como acontecia em todas as manhãs, encontrou o Bem-te-vi.
.
- Bom dia, meu amigo. Hoje vamos realizar um trabalho importante. Voe pela floresta acordando a bicharada. Avise a todos que precisamos nos reunir daqui a pouco na nossa clareira. É assunto urgente.
.
- É p’ra já... bem-te-vi... bem-te-vi...
.
E lá se foi ele.
.
O Velho preparou o café, derramou-o na garrafa térmica, reuniu alguns biscoitos, acomodou tudo em seu embornal, assobiou para o Perdigueiro e partiu rumo à clareira.
Chegando lá muitos o esperavam.
.
- Estamos preocupados tentando descobrir o motivo dessa reunião, disse o Tigre, assumindo a função de porta-voz dos seres da floresta.
As árvores balançaram seus galhos concordando com o Tigre.
.
- Fiquem calmos. Esperem só mais um pouquinho. Logo todos estarão aqui e eu poderei começar a reunião.
.
O Morcego piscava duro para espantar o sono. Dona Maritaca e suas irmãs conversavam, fazendo a maior barulhada. O Carvalho, sendo o mais sábio da floresta, tentava pôr ordem naquela bagunça.
.
- Olhem! A família Preguiça chegou. Não falta mais ninguém. Podemos começar, disse a Margarida.
.
O Velho Lenhador expôs aos amigos o motivo de sua tristeza. Sentia saudades da alegria que crianças e jovens traziam para aquelas bandas. Precisavam trazê-los de volta.
.
Seguiu-se uma algazarra, com vozes da vários timbres concordando ao mesmo tempo, até que o Leão rugiu forte. Todos se calaram instantaneamente para ouvi-lo.
.
- Vamos anotar as idéias que estão surgindo e criar grupos de trabalho.
.
Foi aplaudido.
.
- Eu faço a ata da reunião. Era a Coruja, com papel e lápis na mão.
.
O Velho deixava que eles se entendessem e se deliciava com o que começava a ser planejado.
.
Iniciaram a votação e uma das propostas foi aceita por unanimidade. O passo seguinte foi a concepção de um cronograma. Resolveram que a primeira tarefa seria realizada coletivamente.
.
Saíram pela floresta coletando o necessário para a execução do projeto. Troncos e galhos caídos. Penas coloridas que os pássaros soltam durante a troca de plumagem. Folhas, flores, sementes já secas. Até garrafas pet, papéis amassados, saquinhos vazios, cacos de vidro, lixo deixado por turistas inconscientes, tudo que encontrassem seria útil.
.
Enquanto isso, o Velho voltou à aldeia para contar os novos planos e convocar pessoas para o trabalho. O senhor Marceneiro mais o Pedreiro juntaram as ferramentas. Prontos a ajudar, todos se reuniram na praça juntando e classificando o material que os bichos traziam. O senhor Sanfoneiro, a menina Flautista e o Mestre do bandolim puseram-se a ensaiar antecipando o clima da festa.
Criaram grupos de especialistas e... mãos à obra.
.
Os pássaros, sob o comando do Bem-te-vi, foram despachados para todos os recantos do país, convidando os filhos da aldeia para o grande acontecimento. O Elefante ficou encarregado de organizar seus pares nos trabalhos mais pesados. O Esquilo e seus irmãos traziam as frutas para alimentar o pessoal. Dona Rosa agrupava as flores em ramalhetes. Dona Boleira, claro, fazia bolos e quitutes. Os cachorros abanavam os rabos.
.
Foram 24 horas de trabalho incansável. Nosso bom homem era só cuidado. Ao nascer do sol, tudo pronto. A satisfação era vista em todos os olhares.
.
Aos poucos os convidados começaram a chegar. Extasiados com a novidade. A roda gigante rodando. O algodão doce adoçando. Os braços se abraçando. O trem fantasma fantasmarogando.
Barracas, balas, balões fabricados com todo esmero era embalados pela música e pelas risadas.
.
E o carrossel! Nunca se vira algo assim. Um carrossel com cavalos de verdade. Cheios de pose, enfeitados com plumas e flores faziam a alegria de crianças e adultos.
.
Anoitecia e todos já se entristeciam. A cidade não tinha luz elétrica. Na escuridão ficaria impossível continuar os folguedos.
.
Foi quando o Papagaio interrompeu, por alguns instantes, os pares que dançavam no coreto para anunciar mais uma atração. A um aceno seu, tudo se iluminou. Uma grande nuvem de luz sobrevoou a aldeia.
.
- E vocês pensaram que os vaga-lumes iam ficar fora dessa?
.
A Igreja Matriz que até então permanecera quieta, iluminou-se por si enquanto fazia soar os seus sinos
.
Os aplausos ecoaram pela aldeia e a diversão continuou cheia de brilho.
.
O Velho sentado no banco da praça mordiscando uma maçã do amor se encantava com o resultado de tanto trabalho. A algazarra das crianças, as paqueras dos jovens, os amigos-bichos, os amigos-gentes, os amigos-plantas, todos reunidos em um único reino. O da fraternidade.
.
Olhando aquele imenso Parque de Diversões plantado no meio da praça nem sabia mais se estava acordado ou se cochilava.

.
Se realidade ou sonho? Não importa.
.
Nosso bom homem era só contentamento.
.

... //...
.
Dedicado aos meus NETOS e aos afilhados que a VIDA me deu.
No dia das crianças... beijos, carinho, Galera!
.
Meus agradecimentos ao Jadon, meu revisor.
.


segunda-feira, outubro 08, 2007

VERTIGENS

Nem preciso sair do lugar
O mundo rodopia por mim
São rostos, olhares, esquinas, tijolos
Pedaços
Sem feitio-contorno-sentido
Em dúbio mosaico
Vitral impreciso
Por onde as cores se formam-alternam-deformam
E os raios do sol são rascunhos de luz
.

Dias escuros
Noites insones
Manhãs desbotadas
.
(tem horas em que até o tempo se faz carrossel)
.

Mas
Se sou ontem e amanhã
Meu coração sem motivo
Espera
Se apruma
Confia
Se rende
Perfuma
Se prende

No teu rodopio
Se entrega

A teu sopro
Teu fogo
Teu hoje
Teu beijo

.
(tem horas em que é o coração a se fazer carrossel)
.

quinta-feira, outubro 04, 2007

NO DIA DE SÃO FRANCISCO

"O coração de Francisco significa um estilo de vida, a expressão genial do cuidado, uma prática de confraternização e um renovado encantamento pelo mundo. Recriar esse coração nas pessoas e resgatar a cordialidade nas relações poderá suscitar no mundo atual o mesmo fascínio pela sinfonia do universo e o mesmo cuidado com irmã e mãe Terra como foi paradigmaticamente vivido por São Francisco."
.
(Leonardo Boff)
..
.
www.franciscanos.org.br
.

segunda-feira, outubro 01, 2007

A SANTA DAS ROSAS

“Para mim, a Oração é um desabafo ardente do coração,
um grito de reconhecimento e de amor,
quer no meio da tribulação,
quer no auge da alegria!
É uma força misteriosa e sobrenatural
que dilata a alma e a une a DEUS.”
.
(Santa Teresinha do Menino Jesus)
.
.

sexta-feira, junho 08, 2007

REAÇÃO

Na esquina do desamparo
dois olhares me encontraram
De tanta e profunda dor
que o sol se apagou de repente
O semáforo acendia verde
e eu estática
com medo de pisar lágrimas
Cruzamos os olhos novamente
Sorri
Sorriram, estenderam as mãos magras e frias
Enlacei-as
A luz travada no verde era um convite
Do outro lado, a quina do sol,
uma barra de chocolate, um cachecol xadrez
Atravessamos correndo
de mãos dadas
antes que o vermelho voltasse



(dedicado a V e L)
.

sexta-feira, maio 25, 2007

O VELHO

Na esquina da surpresa
o velho deitava os ouvidos
já que os olhos secos não sabiam
para onde olhar
Era tanto o encantamento
que delirava música
com o simples assobiar do vento
Os dias assim se passaram
e ele já nem mais se importava
Incorporou as batidas
do surdo fundo da fome
aos violinos do vento
Transformou em manto
o paletó roto sem cor
Em coroa, em pedrarias
a propaganda desbotada do boné
Bastou um leve ressonar
sobre antigas notícias de jornal
para que tomasse posse
de tão nova realidade
Elevado a majestoso maestro
regia o concerto

em uma esquina qualquer
do reino da liberdade

.
E os passos dos apressados não perceberam
.
(dedicado a Roberto)
.

quarta-feira, maio 16, 2007

reflexo

.
na esquina da surpresa
esqueceu o embrulho
que abrigava a traição
..
e nunca mais
suas penas se agitaram
ou viram verso

.
.
(dedicado a Décio Pignatari)
.

quinta-feira, maio 03, 2007

Quarta Parada

.
Mãe deixa a filha e se vai. É tanta dor que mergulho nas lágrimas alheias. Os perfumes das flores misturam-se, provocam náusea e sufocam um grito. Vozes graves desejam força. Fico pensando se é de força que precisamos nessas horas. Eu prefiro a fraqueza. Para chorar, perder os sentidos ou fazer alguma loucura. Ao pé do caixão – nem a conhecia – reflito clichês. A luz das velas levam o pedido. Que Maria a receba e acolha. Enquanto afivelam as cintas abraço os netos, procuro olhos amigos úmidos. Últimas amarras antes da liberdade.
.
(dedicado à Rosana que ainda chora)
.

sexta-feira, abril 27, 2007

Nominal

.
Meus olhos de sonhar revestem-se de fundas olheiras. Saldo das noites insones. Preciso delas. Preciso me manter acordada para mergulhar no drama. É no escuro da noite que ele se ilumina. Torna-se nítido. Escolho a trilha sonora, visto meu melhor traje, piso o palco. A realidade se agiganta enquanto desenvolvo a cena. Ela me invade e conforma. Outros seres - de naturezas diversas - se apresentam. Finalmente deixo de ser só. O pesadelo é meu companheiro.
.
(dedicado a L)
.

sábado, abril 21, 2007

renascimento

de longe não conseguia ouvir tua voz
apenas via teus olhos
que atravessavam o imenso vão
e sorriam, brincavam
e se faziam brisa
(esperançavam)
e se faziam fogo
(cingiam)
.
palavras à mesa
calaram-nos
.
a hora exigia
renascimento em ato
.
sabíamos

.
.
(hoje - ao amado)
.

sábado, março 17, 2007

ÁGUAS DE MARÇO

dizem que fecham o verão
(mas)
sequer sabemos os rumos dos colchões
que a enxurrada carrega
.
tampas de fogões,
brinquedos boiando nos becos,
um pé de sapato pobre descalço
(o que terá sido de seu par)
são águas banhadas na acidez
que o progresso expele,
trazendo para as calçadas
a incapacidade humana de se humanizar
.
águas de março,
procura de vida,
mortificando o que resta
até o outono chegar
.
para o povo penitente
que já não mais se agüenta
sendo alagação e enxurro,
águas de março,
que tragam o diferente
ânimo lavando canseira,
aquela semente regada
na corredeira da esperança...
a mudança de estação
.
(enviado a São José)
.

quarta-feira, fevereiro 28, 2007

MARCHA LENTA (parte III)

A cada volta ao ponto morto sentia a fisgada. Coisa sem importância, talvez nem merecesse atenção. O pensamento alvoroçado ia da desordem de roupas deixada para trás àquela Combi que a resolvia emperrar sempre que o trânsito deslanchava. Aproveitava a folga para retocar a maquiagem no retrovisor e mais uma vez conferia o esmalte das unhas. Intacto. E o modelito escolhido, será que estava apropriado?
.
Enquanto engatava a primeira, mentalmente repassava os detalhes. Tudo em vão se o trânsito continuasse daquele jeito. O suor das mãos já começava a incomodar. A rotina também. Ponto morto, fisgada e o coração ton-to-ton-to-ton-to... Torcendo para que Congonhas vivesse um daqueles dias de paralisação, avançava aos trancos pela avenida 23 de Maio. Droga.
.
Ponto morto, fisgada, mais uma espiadela no retrovisor. Se não tivesse voltado para a cama, se não tivesse demorado tanto para escolher a roupa, se... talvez, talvez... o celular caindo na caixa postal e... a Combi... de novo!
.
Mal estaciona o carro, desembesta. Atravessa o saguão como se fosse a reta final da São Silvestre. Chega. A tempo de ver o avião taxiar. E só. O texto mil vezes repassado ficaria inédito. A cena ensaiada, sem platéia e sem o répiendi sonhado. A pergunta continuaria sem resposta. Ou a resposta sem pergunta.
.
Agora só lhe resta arrumar a desordem. Desanimada, entra em casa. Lembra-se de ter escorregado ao sair. Abaixa-se, recolhe o papelzinho responsável pelas fisgadas. Percebe que há algo escrito nele. As letrinhas miúdas e firmes vão saltando. Demora uns segundos para entender. O Tonto, sempre evasivo, resolvera ser direto.
.
Sente a fisgada. Agora forte. Tão forte que a deixa atordoada... Tonta!

.
... //...
.
(menina, o "esconde-esconde" dos dois talvez pare por aqui; já a nossa brincadeira...)
.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

Inspiração

Dim-dóim!
.
Virou-se para um lado.
.
Dim-dóim!
Dim-dóim!
.
Virou-se para o outro lado e puxou a coberta.
.
Dim-dóim!
.
Não! A campainha não fazia parte do sonho. Sentou-se na cama. Entre resmungos esfregou os olhos. Nem imaginava quem ousaria acordá-la.
.
Dim-dóim!
.
Abriu a porta topando com um enorme buquê de rosas. Bocejando arrancou-o da mão do entregador e rapidamente bateu a porta com força.
.
E precisava me acordar tão cedo?
.
De tão irritada até esqueceu de dar uma gorjeta para o espantado rapaz.
.
Voltou para a cama. Tentaria reatar o sonho interrompido. Afinal, nele o Tonto a abraçava amorosamente, numa cena digna de roliúdi.
.
Das rosas, lançadas sobre o aparador, escorrega um cartão grafado com letras miudinhas, embora firmes.
.
Não sei quem inspira seus versos.
Sei quem inspira minha vida. Você.
Com amor,
Tonto.

.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Em uma noite qualquer

o celular dispara.
.
- Oi!
- Li seu último poema.
- Que tal?
- Bonito! E fez com que eu pensasse muito.

- Pensasse?
- Em quem teria inspirado tão belos versos...
.
As reticências a deixaram em estado de alerta.
.
- É uma observação ou uma pergunta?
- Quê?
- Você está querendo saber quem é o meu muso. É isso?
.
Afinal, havia assumido o compromisso de ser direta.
.
- Bem...
- Se você fosse mais atento, já saberia.
- Eu leio você com muito cuidado.
Vejo possibilidades literárias no que escreve. Mas hoje só queria saber...
.
Sendo o silêncio tão prolongado, desistiu de esperar que ele completasse a frase.

.
- Então leia o meu próximo post.
.
Furiosa, desligou sem nem ao menos se despedir.
.
- Tonto!
.
Agora o tinha nas mãos. Deixou de lado a objetividade.

Passou a retocar antigas imagens. Pousou as mãos sobre o teclado.
.
A brincadeira estava apenas começando.
.

... //...
.
(Meus agradecimentos à menina pelo empréstimo do "Tonto!")
.

sábado, fevereiro 10, 2007

deslembrança

só me lembro muito vagamente*
da avenida livre que se abria à frente
de sentimentos vagos
vagarosos pulsos da saudade
.
da fria noite no retrovisor
e do seu afago vago
vagaroso impulso pra saudade
.
só me lembro muito vagamente*
do perfume que inundava
nosso vagar pela cidade calma
meu olhar interrogando o seu
seu olhar a me perguntar
os dois perplexos
com a já saudade chegando devagar
.
e de tão vagamente lembrar
nem sei mais se me lembrarei
de quanto amor havia
na saudade
prestes a amanhecer
.
*Música incidental: Vagamente de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli
.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

sobre desnudez

uma desfigura difusa
veste o canto da página
de escritura invertida
.
a figura e seu reflexo
o fundo e a superfície
confundem-se
e se descobrem processo
quando se desveste a nudez
.
somos o silêncio de tudo
somos o zumbido no nada
.
vida carregando morte transportando vida
.
e a cada renascer
(novamente)
apenas algazarra semântica
somos
.
... //...
.
Comentário ao post do retorno da Loba publicado no dia 20.01.07
.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

deslembranças

só me lembro muito vagamente*
da avenida livre que se abria à nossa frente
e dos meus pensamentos vagos
vagarosos pulsos da saudade
.
só me lembro muito vagamente*
da noite escura trancada no retrovisor
e do seu afago vago
vagaroso impulso pra saudade
.
só me lembro muito vagamente*
do seu doce perfume que inundava tudo
nosso vagar pela cidade calma
meu olhar interrogando o seu
seu olhar a me perguntar
os dois perplexos
com a saudade chegando devagar

.
e de tão vagamente lembrar
nem sei mais se me lembrarei
de quanta saudade havia
.
no amor
prestes a amanhecer
.
.
*Música incidental: Vagamente de Roberto Menescal

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

FILHA PERGUNTANDO À MÃE

Oh, Senhora das Candeias!
o que tanto iluminas
que ainda não consigo ver?
.
Oh, Senhora das Candeias!
por que tanto me incendeias
se nem sei o que quero querer?
.
(Dedicado àqueles que do leve ardor do suspiro
queimam-se, agora, em gemido...)
.

quinta-feira, janeiro 25, 2007

no aniversário da cidade

minha pobre cidade rica
és carente, és desvairada,
és sofrida e amargurada
.
és palco de cenas vulgares,
de vaidades baratas,
da insensatez corriqueira
da incapacidade humana de se humanizar
.
minha pobre rica cidade
das tantas pequenas tragédias
também palco de dramas dantescos
cenário macabro

para os sem teto,
sem saúde, sem escola,
sem rumo, sem praça
ou alento
.
minha cidade magoada
em meio a tanta indigência

coragem
conserva ainda a esperança
pois anjos de ternura te olham
.
eles vêm vestidos de branco
suas armas
não ferem, não matam
abençoam
.
são vozes
no silêncio cortante
denunciam
.
são raios de luz
no delírio inquietante
protegem

no descaso são a resistência
na miséria, a misericórdia
são anjos de paz
são anjos de vida
são os anjos do amor
.

.
(Dedicado ao anjo de nossa São Paulo... meu tão querido amigo.)

.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

UMA CRATERA - DOIS OLHARES

I
Sempre fora cumpridor de seus deveres.
Trabalhador. Responsável. E principalmente pontual. Por isso dera uma corrida para alcançar o ônibus. Já acomodado, ainda arfando, consulta o relógio. Os ponteiros giram desordenadamente. O tempo oscila. E o engole. Pontualmente.

.
.
II
O motorista tem nome e RG.
O cobrador tem nome e rosto.
A advogada tem nome mas ainda não tem OAB.
O caminhoneiro tem nome e CNH.
Mais uma coisa em comum.
Todos têm sepultura.
Nas lápides, seus nomes.

.
Engenheiro de consórcio não tem nome.
Administrador de metrô não tem nome.
O poder público não tem nome.
O que iremos inscrever em suas lápides?
Assassinos?

.
.

Dedicado às vítimas das obras do Metrô paulistano. A vocês, minhas orações, minha solidariedade.
.
... //...
.
Imagens de duas recentes tragédias me acompanham. A lama percorrendo cidades de Minas e do Rio e a cratera do metrô de São Paulo ficarão para mim como metáforas reais de nosso país. Resultam do descuido, da desumanidade e da improbidade com que somos vistos por aqueles que deveriam bem administrar o patrimônio público.
.

O texto abaixo foi publicado no dia 20/01/07 na revista Banga.
.
Agradeço aos editores da Banga. Senti-me honrada.
.
... //...
.
miséria tem hora marcada
.
um olho na TV
outro no relógio
um pé na jaca
outro na soleira da porta
na mão esquerda o controle
(ou seria o inverso)
conta tempo irreal
(o nosso)
em cadeia nacional
.
queria ter Jack-24 horas
mas não
ela já vem
.
nasce da ganância
brota do descaso
revolta
daqui parece mansa
de longe parece lenta
quase bela
quase morna
envolve vilas
contamina
invade vidas
desabriga
.
junto a trouxa brasileira trouxa que sou
.
tapo o nariz
p’ra contagem regressiva
.
5, 4, 3, 2, 1
.
ela chegou
sou a vítima da hora
de cabeça
mergulho
.
na lama
no nojo
.
... //...
.
dedicado aos atingidos pelo rio do desgoverno
vítimas da lama geral
nossos irmãos mineiros e fluminenses
.
.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

miséria tem hora marcada

um olho na TV
outro no relógio
um pé na jaca
outro na soleira da porta
na mão direita o controle
(ou seria o inverso)
tempo irreal
(o nosso)
em cadeia nacional
.
queria ter Jack-24 horas
mas não
ela já vem
.
nasce da ganância
brota do descaso
revolta
daqui parece mansa
de longe parece lenta
quase bela
quase morna
envolve vilas
contamina
invade vidas
desabriga
.
junto as trouxas brasileiras
trouxa que sou
tapo o nariz
p’ra contagem regressiva
.
5, 4, 3, 2, 1
.
ela chegou
de cabeça
mergulho
.
na lama
no nojo
.
... //...
.
inspirado pela turma da Banga
– banga.zip.net –
dedicado aos irmãos mineiros e fluminenses
atingidos por um rio de desgoverno
vítimas da lama geral
.