sábado, setembro 10, 2011

Um dia ...

minha doce passageira
posso te levar por caminhos
trilhos de ferro dormentes,
por asfaltos ondulantes,
pelas trilhas poeirentas, mares
montanhas, silêncios
.
Serei até capaz
de inteiro me abrir alado
carregar-te em volteios
- és tão leve -
sobre o mundo sem alardes
meio a fogos e luzes
.
Minha doce, a ti suplico
podes a mim responder
- és perene passageira -
preciso apenas saber
aonde pretendes chegar
e logo de partida estaremos


domingo, setembro 04, 2011

Domingo





Naquela clara manhã de Domingo, a porta aberta chamava a si os que por ela passavam.
A andarilha, sentindo-se tímida, aproxima-se. Não percebe a haste de madeira propositadamente colocada logo à entrada. Ignora o convite para deixar ali seu manto empoeirado. Sacode levemente as sandálias e entra.
É recebida por abraços sorridentes. Estão todos alegres nos preparativos
para uma festa que já vai começar.
Cansada da longa caminhada, senta-se e espera. Olha à volta admirando os belos arranjos de flores, a nuvem perfumada que envolve o ambiente, as fogueiras acesas, as expressões felizes.
Os primeiros acordes fazem com que todos se levantem e cantem. Ela os imita, retribuindo os afagos dos jovens, das crianças, dos homens, das mulheres. Enche-se de inexplicável esperança, mesmo presa de leve tontura.
Percebe, agora, o quanto estão sujas suas vestes e pede perdão por não ter se livrado delas antes de entrar. Mas há ali uma fonte da qual se aproxima. Deixa que a água escorra por seu corpo, lavando cada grão de areia nele encravado, resquícios da longa vida no deserto.
Recomposta, senta-se novamente e ouve o anfitrião apresentar o filho muito amado que chegou trazendo bebida e comida em abundância. Com interesse, acompanha o vai-e-vem dos que preparam a ceia. Canta, dança, bate palmas, junto com aquele grupo, torcendo internamente para que a refeição seja logo servida. Está com muita fome e muita sede. Nem se lembra mais de quando comeu. A tontura aumenta. Falta-lhe o ar.
Chamada para ajudar na arrumação, transporta o precioso cântaro
que alguém lhe coloca nas mãos. Caminha em direção à mesa e se angustia. Miserável, não tem com o que contribuir para a festa. Suas únicas posses são um corpo dilacerado, a mente confusa, a vertigem constante. Apresenta as ofertas e volta para seu lugar. A sede aumenta. Inquieta-se.
Quando parecia não ter mais fim aquela aflição, é convidada a se aproximar da mesa do senhor, o gentil anfitrião. Um banquete!
Saciada, acomoda-se e deixa que o alimento penetre seu corpo, invadindo-lhe os sentidos.
Sem se saber adormecida ou acordada, relembra a longa e estéril caminhada pelos desertos. Lembra-se das buscas, das perguntas sem respostas, da escuridão, das paixões egoístas, do pânico. Aos poucos, fazem-se perceber os efeitos do pão e do vinho. É no coração que eles se alojam e, daquele ponto, emanam a luz que transforma a inquietação em entusiasmo, a dor em alegria, a solidão em amor fraterno. O impossível torna-se vivência concreta.
Ainda sonolenta, levanta os olhos e só então se dá conta de que está numa enorme tenda que aninha e preserva a todos. Recolhe-se novamente para que não lhe escapem os sentimentos de integração e plenitude. Faz-se tenda também, protegendo o alimento que se fez vida.
A festa está quase acabando. O calor das fogueiras foi suficiente para, sem queimar, levar a todos a um estado de fusão. Os reflexos do banquete alcançam o seu corpo. Está liquefeita. Gota d’água que se dissolve e se esparrama. Sendo uma, está em toda parte e em todos. Preenche e é preenchida. Pertence. Expande-se e compartilha a própria humanidade recém descoberta.
Como é bom estar aqui, pensa.
Os abraços, os apertos de mão, as amorosas trocas de olhares, mostram que é chegada a hora da despedida.
Alguns passos em direção ao sol do meio dia e vê o deserto logo ali à espreita.
Sem pensar, sem falar, cuida para que o encanto não se quebre. Aprendeu lá dentro que a permanência no deserto é sempre provisória mas, prevenida, leva consigo a tenda da restauração e da vida. Olha para a frente, respira fundo e se põe em marcha.