sábado, agosto 07, 2010

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Nós duas no topo da escada olhando a noite e os faróis. Desenhavam círculos concêntricos. Teu assobio perguntando. O da mamãe respondendo. Descias o baldio traçando uma linha reta. Ora paravas escondendo-te nas folhagens, ora seguias o sinal que te era enviado. O trecho pequeno levava, no meu pouco entender, uma eternidade para ser vencido. Não sabia ao certo a razão de tanta agonia. Só me agoniava junto e me esforçava por aprender o assobio em código. Quando os carros negros desistiam da marcha, abraçava-te aliviada.
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Muito tempo depois da tua partida pude entender o sentido destas cenas. Elas se repetiriam com outros atores, outros cenários, embora tom e tensão fossem os mesmos.
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Sempre revisito lembranças em busca de força para insistir na tua herança. Por onde andariam teu sopro radiofônico, tua remington incansável, teus varais de fotografias? Retratos de um desejo: o da construção de um país mais justo e humano, hoje esquecidos no fundo de alguma gaveta.
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Se as respostas não as encontro, sigo com tua imagem e, por mais paradoxal que pareça, dada a saudade que ainda tenho de ti, chego até a me alegrar... por não precisares ver o que foi feito dos teus sonhos. Partidos repartidos, hoje projetam sombras, arremedos, apenas, de uma utopia.
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Meu pai, ausência presente, minha referência, memória do amor que não quero que se apague. E não se apagará.
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