quarta-feira, fevereiro 28, 2007

MARCHA LENTA (parte III)

A cada volta ao ponto morto sentia a fisgada. Coisa sem importância, talvez nem merecesse atenção. O pensamento alvoroçado ia da desordem de roupas deixada para trás àquela Combi que a resolvia emperrar sempre que o trânsito deslanchava. Aproveitava a folga para retocar a maquiagem no retrovisor e mais uma vez conferia o esmalte das unhas. Intacto. E o modelito escolhido, será que estava apropriado?
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Enquanto engatava a primeira, mentalmente repassava os detalhes. Tudo em vão se o trânsito continuasse daquele jeito. O suor das mãos já começava a incomodar. A rotina também. Ponto morto, fisgada e o coração ton-to-ton-to-ton-to... Torcendo para que Congonhas vivesse um daqueles dias de paralisação, avançava aos trancos pela avenida 23 de Maio. Droga.
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Ponto morto, fisgada, mais uma espiadela no retrovisor. Se não tivesse voltado para a cama, se não tivesse demorado tanto para escolher a roupa, se... talvez, talvez... o celular caindo na caixa postal e... a Combi... de novo!
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Mal estaciona o carro, desembesta. Atravessa o saguão como se fosse a reta final da São Silvestre. Chega. A tempo de ver o avião taxiar. E só. O texto mil vezes repassado ficaria inédito. A cena ensaiada, sem platéia e sem o répiendi sonhado. A pergunta continuaria sem resposta. Ou a resposta sem pergunta.
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Agora só lhe resta arrumar a desordem. Desanimada, entra em casa. Lembra-se de ter escorregado ao sair. Abaixa-se, recolhe o papelzinho responsável pelas fisgadas. Percebe que há algo escrito nele. As letrinhas miúdas e firmes vão saltando. Demora uns segundos para entender. O Tonto, sempre evasivo, resolvera ser direto.
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Sente a fisgada. Agora forte. Tão forte que a deixa atordoada... Tonta!

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(menina, o "esconde-esconde" dos dois talvez pare por aqui; já a nossa brincadeira...)
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