sexta-feira, maio 20, 2005

A MAIS PURA VERDADE

Eram duas sementes. Com uma engasgou-se o menino. Outra na terra se quedou. Pisada, enquanto chegava a água e os inevitáveis tapas nas costas que faziam arder o menino. Quando o sufoco passou cada um voltou a seus afazeres e todos na cidade se esqueceram do fato. Até que o menino começou a mudar. Crescia a olhos vistos. Sua pele, antes puro veludo, foi se tornando rugosa e esbranquiçada. Entremeadas aos cachos de seus cabelos brotavam aqui e ali folhas imparipenadas. O povo daquela cidade, mesmo acostumado a tantos assombros, olhava de esguelha o menino. E ele crescendo. Em casa já não cabia. O coreto da praça o recebeu e sua mãe toda manhã deixava ali água fresca, o pão de cada dia e voltava a tratar do roçado. E ele crescendo. Assim já era demais. Os cachos todos sumiram. Sua cabeça era só folhas. E eis que, na primavera, surgem flores. Alaranjadas. Já não mais cabendo no coreto, plantou-se na praça o menino. O perfume que se esparramava para além dos limites do povoado atraía curiosos. Chegavam em caravanas, montados no lombo de jegues ou mesmo a pé. Na hora do ângelus mulheres rezavam o terço enquanto os homens faziam apostas no balcão do boteco. A quantas chegaria o menino se já media 15m. Tanto alarido chamou a atenção das autoridades. Montou-se uma comissão com os mais ilustres sábios do país. Chegaram em carros vistosos, trazendo aparelhos estranhos e passaram a estudar o fenômeno. Interrogaram os pais, vizinhos, retiraram lascas do menino-árvore. Examinaram, discutiram e foram embora. Sumiram sem dar explicação. Soube-se depois, que entrevistados por jornais e TV foram lacônicos ao responder. Nada a declarar. O menino-árvore é uma fraude para atrair incautos. Aos poucos o povoado foi voltando à normalidade. Acostumava-se. O menino, a essas alturas da história, com 25m oferecia uma fresca sombra para a hora em que o sol se estatela. Num dia, destes em que até o mormaço é silêncio e amolece, algumas crianças, aproveitando-se da sonolenta desatenção dos adultos, faziam arte com as flores caídas no chão. Bem picadinhas, misturadas à água, tinham ali um suquinho, um pouco ácido, embora gostoso, brincadeira comum entre crianças. E lá mandam o tal suco para dentro. E assim foi descoberta a propriedade emética do menino-árvore. Mas efeito oculto estranho. Primeiro as crianças se queixavam de dor de barriga e nó no estômago. Choravam. As mães acudiam aflitas, apoiando-lhes os espasmos. Pois não é que nada de nojento acontecia? O que punham para fora eram palavras transformadas em poesia. A surpresa logo se transformou em alegria. As crianças, agora livres de maiores indisposições, saíram a poetar pela vila e pelos campos. Eram só versos de amor sendo despejados por todos os cantos. O agreste agradecido de tanta belezura foi se transformando em verde. As colheitas se multiplicando. Até as brigas em ponta de faca, comuns depois das bebedeiras, cessaram. Tudo era só contentamento, cuidados com o menino-árvore e espera. A cada ano, uma nova primavera.
Da outra semente, nada se sabe. Alguns rumores davam conta de que ela, atravessando a Terra, tivesse saído por um furinho do outro lado e se perdido na estratosfera.
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Tenho aqui mais uma história. Mas essa nem vou me dar ao trabalho de contar, pois é pura balela. É sobre um astronauta excêntrico que afirma ter identificado um buraco branco muito luminoso, durante sua última viagem interplanetária. Grande descoberta científica, pois se sabe da existência de buracos negros. De brancos nunca se ouviu falar. Ele chegou até a escrever um artigo relatando como verdade que durante a primavera, do buraco branco, saíam revoadas de anjos carregados de sementes, em direção à Terra. Ainda bem que a NASA, depois de alguns testes psicológicos, internou o astronauta num hospício. De onde nunca mais saiu.
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(Inspirado pelo Zumbi e dedicado ao Linaldo)
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Aviso Importante
Na vida vamos permitindo que afetos nos escapem. Não importam os motivos do afastamento. Importa a falta que tais elos nos fazem. Se você quer se reaproximar de um amigo ou amiga, não perca a oportunidade. O blog da Loba está promovendo a semana do ELO PERDIDO. Vá até lá e participe.
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