terça-feira, junho 14, 2005

CENAS DO DESAMPARO

Foram quarenta, sessenta minutos, não sei.
O tempo parou naquele declive coberto por grama.
Pequenos arranjos de flores salpicavam o verde aqui e acolá.
O silêncio só não era completo porque cortado pelo som ritmado das pás.
A batida do surdo alternada pelo repique da caixa, ao cair da terra na vala funda, indica que tanto ficou para trás. Os sonhos e esperanças, se é que existiram... As responsabilidades, obrigações, tarefas, deixadas inconclusas... Toda luta, agora sem uma causa ou motivo...
À cadência das pás, junta-se agora o choro de uma criança.
Começa com um leve soluço, pianíssimo, buscando fundo o sentimento desconhecido que a faz atônita.
Os olhos fixos no movimento das pás, acompanham seu trajeto e pousam naquele vão aberto, talvez à espera de um último adeus. Que não vem.
Um sabiá canta ao longe e recebe de volta a resposta de sua companheira.
Uma brisa leve traz aos sentidos o cheiro do humus, pois as pás continuam seu trabalho.
De pianíssimo, o choro passa a forte. Parece ter encontrado a própria dor. Desespero, desamparo, raiva contida.
Um fino raio de sol rompe a espessa camada de nuvens e alcança a cena, iluminando-a.
Outros pássaros, agora não mais sabiás, fazem contraponto aos soluços magoados da criança.
Fortíssimo é o lamento, como também são o desespero, o desamparo, a raiva, agora assumida.
Estou só? É o que pergunta aquele choro descontrolado.
As mesmas mãos que tocaram as pás agora suavemente depositam as flores sobre os últimos acordes da sinfonia, abafando-os.
O choro vai se acalmando.
As nuvens engolem o delicado raio de sol, ouve-se ao longe mais um sabiá e, depois, o silêncio.
O olhar da criança ainda espera o último adeus. Que não vem.
Seus olhos estão secos. Agora entendem e murmuram: estou só!
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(Dedicado ao Bruno)
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