quarta-feira, junho 01, 2005

ODE A UM ARMÁRIO

Surpresa assim de repente
Nem sei de onde ele veio
Chegou-me como um presente
Há de se julgar pelo estilo
Que tenha vindo do passado
Forte, imponente, garboso
Exibindo graça ao brilhar
À espera, no meio da sala
Parece que está a chamar
.
Com respeito me aproximo
Qual criança curiosa
Suavemente o toco,
Acarinho, deslizo a mão
Respiro o perfume do cedro
Sinto a pujança do tempo
Renovo ancestrais compromissos
.
Conto e reconto as gavetas
O que posso ali guardar
Vai logo se definindo
Na mais baixa devo encerrar
A ausência de meu pai
A infância tão ferida
A adolescência perdida
Tranco-a p’ra não mais olhar
.
Logo acima arquivo os fracassos
Sempre os devo rever
Pois servem de referência
Indicam os meus novos passos
Evitam que eu ande a esmo
Levando avante o sofrer
.
Agora a gaveta dos sonhos
Embaralhados, alegres
Fazem grande alvoroço
Vivem inesgotável festejo
Da arrumação desisto
Fecho-a com dificuldade
Permito que fiquem para fora
Pontas do que mais almejo
Pontes p’ra felicidade
.
São quatro as pequeninas
Que vêm logo a seguir
Em cada uma encaixar
Decepções, injustiças,
Desafetos e o receio
De a alguém mais ferir
.
A última tão alta está
E sendo um pouco emperrada
Impede olhares de esguelha
Lá vou acomodar meus segredos
As fantasias mais loucas
As paixões sangüíneas, vermelhas
As dúvidas que não são poucas
Os amores inconfessos
Os pecados, remorsos e medos
As máscaras dissimuladas
.
Quase pronto o meu armário
Mas falta-lhe um quê de beleza
Algo de majestade e firmeza
Que o transforme em relicário
Encontro um belo xaxim de hera
Em ramagem esparramada
Na cobertura a ajeito
Avalio a doce quimera
Ainda assim pobre de luz
Pouso a mão em meu peito
Tateio a medalha encontrada
Descubro o que me faz desolada
Não há um afeto inteiro
Falta à estante, calor
Trago a imagem de Jesus
Concluo a lida aliviada
Ele com coração à mostra
Instala-se feito um posseiro
Em terno arremate de amor
.
(junho - mês dedicado ao Sagrado Coração de Jesus)
.

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