sábado, fevereiro 11, 2006

O POETA E A CONTISTA

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olhar que vira imagem
que vira palavra
que vira olhar
que vira...
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dinâmica excitante
olhares visitantes decifram detalhes
recodificam - poetizam
olhares
vêem-se em minhas imagens
revelam-me
deixam em comentários a poesia que se engasgou em mim
olhares que salvam



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o olhar do poeta Nel Meirelles
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salvar o como
antes que o porquê
o devore.



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o olhar da contista Euza Noronha
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Intoleravelmente devagar ela abriu a caixa. Antes a revolta fora súbita. Mas o cheiro da saudade amainou as cores da raiva. O quarto ganhou tons pastéis. E seus movimentos eram lentos como lento era o movimento da estrela que a guiava.Em perfeita sintonia de dedos e vontades espalhou os papéis pela cama. Nunca eles tinham se tornado uma presença tão viva. Não passavam de sonhos mortos. Era o que ela queria dizer a eles. Mas não havia voz nela. Só mãos que os alisavam e olhos perdidos em outro tempo.Com a mesma lentidão metódica tirou as folhas do fundo da caixa. Silenciosamente mortas. Como se fosse imperioso manter a vida entre as mãos, pegou folhas e flores da jarra. Abraçou-se a elas e deixou que suas lágrimas as fizessem ainda mais viçosas. Depois, com indisfarçável esforço, colocou-as, uma a uma, sobre as letras espalhadas pela cama. Empoeirada e vazia, deixou que o tempo passasse por ela enquanto mergulhava na dor das lembranças.
Até que uma energia impalpável e obstinada irrompeu dentro dela. De imediato abriu a janela e deixou que o vento entrasse. E folhas, flores e cartas misturaram-se pelo chão. Olhou a primeira estrela que brilhava ao longe e chamou pela empregada. Fizera o funeral, era hora do enterro. Desprendera-se finalmente. De letras, de lembranças, de saudade. O olhar que acompanhou a vassoura pelo chão do quarto era de uma vencedora. Renascera como planta forte e viçosa. Audaciosamente viva.


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Estando minha palavra sem salvação, salvo aqui a palavra de dois de meus mais antigos comparsas.
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