quinta-feira, junho 23, 2011

CENAS PARA UM ACENO

Estaciona a carrocinha. Acomoda as sacolas. Acaricia o cachorro.
Cabisbaixo, caminha até à estante. Algumas caixinhas cuidadosamente ali acomodadas guardam um derradeiro sinal. Procura. Enfileiradas, coloridas, etiquetadas. Seus olhos brilham quando encontram o próprio nome. Zé de Jesus. Ainda tímido se reconhece. Uma toalha limpa e, em alguns instantes, o cansaço será escoado pelo ralo do chuveiro.
A insanidade abandonada, no abandono da cadeira de barbeiro, os cabelos aparados, a face escanhoada, dar-lhe-ão um corpo livre dos pecados alheios. O suficiente para sentir-se digno de sentar-se à mesa. Comida quente, sólida, gostosa. O estômago reage contente. Há quanto tempo...
Ao cerrar os olhos é invadido por um canto e quase relembra a infância. Confuso, deixa que as imagens se percam novamente, pois há muito de nada servem. Numa rápida cochilada permite-se alguns poucos e indefinidos sonhos. Recupera as forças.

Junta os trastes, assobia para o cachorro, é abraçado calorosamente, despede-se. Mais uma vez agradece pelo retalho de identidade. Encara a trilha deixando para trás a saboneteira que o distingue pelo nome. Ela ficará à espera sem nada perguntar, sem nada pedir. Zé de Jesus, rosto erguido, volta ao anonimato.

Debruçados sobre a grade da varanda, acompanhamos a cena. Somos tomados pela brisa refrescante à qual se junta a melodia do coro à capela. O homem está quase a se perder na estrada, mas nossos olhos ainda o alcançam. Lépido, papeando com o cachorro, volta-se para o adeus. Contra o lusco-fusco do poente, rápida visão nos emudece. Ao redor de nosso Zé, desenhado em brilhos, um majestoso ostensório. Jesus acena, sorri seu sorriso desdentado e segue se dissipando, confundindo-se com o caminho.

Os últimos acordes da música em ralenti acompanham as cortinas que se fecham.

sexta-feira, junho 17, 2011