quinta-feira, janeiro 25, 2007

no aniversário da cidade

minha pobre cidade rica
és carente, és desvairada,
és sofrida e amargurada
.
és palco de cenas vulgares,
de vaidades baratas,
da insensatez corriqueira
da incapacidade humana de se humanizar
.
minha pobre rica cidade
das tantas pequenas tragédias
também palco de dramas dantescos
cenário macabro

para os sem teto,
sem saúde, sem escola,
sem rumo, sem praça
ou alento
.
minha cidade magoada
em meio a tanta indigência

coragem
conserva ainda a esperança
pois anjos de ternura te olham
.
eles vêm vestidos de branco
suas armas
não ferem, não matam
abençoam
.
são vozes
no silêncio cortante
denunciam
.
são raios de luz
no delírio inquietante
protegem

no descaso são a resistência
na miséria, a misericórdia
são anjos de paz
são anjos de vida
são os anjos do amor
.

.
(Dedicado ao anjo de nossa São Paulo... meu tão querido amigo.)

.

sexta-feira, janeiro 19, 2007

UMA CRATERA - DOIS OLHARES

I
Sempre fora cumpridor de seus deveres.
Trabalhador. Responsável. E principalmente pontual. Por isso dera uma corrida para alcançar o ônibus. Já acomodado, ainda arfando, consulta o relógio. Os ponteiros giram desordenadamente. O tempo oscila. E o engole. Pontualmente.

.
.
II
O motorista tem nome e RG.
O cobrador tem nome e rosto.
A advogada tem nome mas ainda não tem OAB.
O caminhoneiro tem nome e CNH.
Mais uma coisa em comum.
Todos têm sepultura.
Nas lápides, seus nomes.

.
Engenheiro de consórcio não tem nome.
Administrador de metrô não tem nome.
O poder público não tem nome.
O que iremos inscrever em suas lápides?
Assassinos?

.
.

Dedicado às vítimas das obras do Metrô paulistano. A vocês, minhas orações, minha solidariedade.
.
... //...
.
Imagens de duas recentes tragédias me acompanham. A lama percorrendo cidades de Minas e do Rio e a cratera do metrô de São Paulo ficarão para mim como metáforas reais de nosso país. Resultam do descuido, da desumanidade e da improbidade com que somos vistos por aqueles que deveriam bem administrar o patrimônio público.
.

O texto abaixo foi publicado no dia 20/01/07 na revista Banga.
.
Agradeço aos editores da Banga. Senti-me honrada.
.
... //...
.
miséria tem hora marcada
.
um olho na TV
outro no relógio
um pé na jaca
outro na soleira da porta
na mão esquerda o controle
(ou seria o inverso)
conta tempo irreal
(o nosso)
em cadeia nacional
.
queria ter Jack-24 horas
mas não
ela já vem
.
nasce da ganância
brota do descaso
revolta
daqui parece mansa
de longe parece lenta
quase bela
quase morna
envolve vilas
contamina
invade vidas
desabriga
.
junto a trouxa brasileira trouxa que sou
.
tapo o nariz
p’ra contagem regressiva
.
5, 4, 3, 2, 1
.
ela chegou
sou a vítima da hora
de cabeça
mergulho
.
na lama
no nojo
.
... //...
.
dedicado aos atingidos pelo rio do desgoverno
vítimas da lama geral
nossos irmãos mineiros e fluminenses
.
.

quarta-feira, janeiro 17, 2007

miséria tem hora marcada

um olho na TV
outro no relógio
um pé na jaca
outro na soleira da porta
na mão direita o controle
(ou seria o inverso)
tempo irreal
(o nosso)
em cadeia nacional
.
queria ter Jack-24 horas
mas não
ela já vem
.
nasce da ganância
brota do descaso
revolta
daqui parece mansa
de longe parece lenta
quase bela
quase morna
envolve vilas
contamina
invade vidas
desabriga
.
junto as trouxas brasileiras
trouxa que sou
tapo o nariz
p’ra contagem regressiva
.
5, 4, 3, 2, 1
.
ela chegou
de cabeça
mergulho
.
na lama
no nojo
.
... //...
.
inspirado pela turma da Banga
– banga.zip.net –
dedicado aos irmãos mineiros e fluminenses
atingidos por um rio de desgoverno
vítimas da lama geral
.